Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Sem alarde, a BM&FBovespa (SA:BVMF3) passou a oferecer o registro de contratos financeiros de energia elétrica entre o leque de produtos negociados em mercado de balcão, atraindo comercializadoras que fecharam dezenas de operações em um curto período de tempo.
O serviço, em um mercado com potencial volatilidade de preços relacionada a fatores climáticos, pode ser um primeiro passo da empresa para um maior envolvimento no segmento, que passaria pela atuação como clearing.
Desde o lançamento oficial das operações com o produto, em 16 de maio, a BM&FBovespa registrou 28 operações, que movimentaram 96.441 megawatts-hora e foram realizadas por meio de duas corretoras, afirmou à Reuters o diretor de Engenharia de Produtos e Serviços da bolsa, André Demarco, nesta quarta-feira.
"Já existia um interesse represado e esse interesse se mostra de fato efetivo... é um sinal muito positivo, um reflexo de que já existia uma demanda", afirmou.
Como os contratos são puramente financeiros --não envolvem a entrega física da energia-- há uma expectativa de especialistas do setor de energia de que o produto possa atrair novos agentes para as negociações de eletricidade, como fundos, bancos e outros representantes do setor financeiro, elevando a liquidez desse mercado, ainda considerada baixa no Brasil.
Nessas operações, que funcionam como outros derivativos, os interessados podem fechar posições com apostas no valor futuro da energia no mercado de curto prazo, dado pelo Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), que é calculado semanalmente pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE).
No momento, segundo Demarco, é oferecido apenas o registro dos contratos sem contraparte central, ou seja, sem garantia da bolsa ou de uma clearing house para a adimplência das contrapartes na hora da liquidação dos contratos.
A BM&FBovespa, no entanto, fará estudos com o objetivo de oferecer esse serviço futuramente, o que reduziria riscos para os envolvidos e poderia impulsionar as operações.
Outra possibilidade que será avaliada pela empresa é a criação de produtos padronizados de energia para serem negociados na própria BM&FBovespa.
Demarco ressaltou, no entanto, que estudos para tal propósito ainda não tiveram início e que as novidades dependerão da avaliação dos riscos específicos do mercado de energia, principalmente a forte volatilidade do PLD.
"O grande desafio aqui é que esse preço spot tem bastante variabilidade. Isso gera uma preocupação adicional em risco... precisa uma boa modelagem para ver o quanto você vai estabelecer de (cobrança de) margem para que o contrato se torne seguro", disse.
Os negócios com energia são registrados no mercado de balcão da BM&FBovespa como contratos a termo de mercadorias, a exemplo dos contratos já praticados para commodities como açúcar, café, soja e outros.
CLEARING IMPULSIONA
Consultorias e comercializadoras de energia já têm oferecido os contratos financeiros aos clientes por meio de parcerias com corretoras, como a XP Investimentos.
As comercializadoras, pelo conhecimento do mercado elétrico, atuam com apoio técnico aos clientes e na busca por contrapartes interessadas para o fechamento dos contratos.
Na Safira Energia, o gerente de comercialização Márcio Davanzo vê certa resistência inicial a operações puramente financeiras em um setor formado por engenheiros, mas define como questão de tempo o crescimento dos derivativos.
"Imagino que a gente tem pelo menos um ano de maturação pela frente, aí começa a acelerar a procura mais efetivamente... é uma questão de conhecimento do produto... e é uma tendência mundial, vai proporcionar maior liquidez no futuro", disse.
O sócio da comercializadora de energia Compass, Marcelo Parodi, também acredita no potencial do mercado e afirma que aos poucos o interesse mostrado pelos clientes irá se transformar em operações de fato, principalmente se as operações passarem a ser garantidas por uma clearing house.
"Esse é o grande divisor de águas... muitos investidores externos ou fundos não podem operar em mercados que não tenham operação via clearing house. Possibilita a entrada de muitos outros participantes".
Outro fator que anima as empresas é o próprio crescimento do mercado livre de energia, no qual os agentes negociam diretamente contratos com geradores e comercializadoras.
Atualmente há mais de 1,1 mil companhias em processo de adesão a esse ambiente de negociação, crescimento de quase 50 por cento ante os atuais 2,1 mil que já atuam no mercado, segundo a CCEE.