Controlada pelo governo federal, a Caixa acelerou o ritmo de lançamentos de programas e iniciativas com valores bilionários depois do primeiro turno da eleição para o Palácio do Planalto, que selou a disputa entre o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Já na largada do segundo turno, no dia 4 de outubro, o banco deu início a uma série de eventos e entrevistas coletivas para explicar ou anunciar medidas, com foco principalmente nas classes mais baixas e nas mulheres, públicos que Bolsonaro tem desvantagem ante o petista. Desde o dia 4 de outubro, há duas semanas, foram cinco eventos.
Só no consignado do Auxílio Brasil, lançado dia 11, já foram liberados R$ 1,8 bilhão, para cerca de 700 mil pessoas. O último anúncio, na segunda-feira, 17, foi de um programa para apoiar a formalização de empreendedoras mulheres que prevê conceder R$ 1 bilhão em crédito até dia 19 de novembro.
O banco lançou também sua campanha anual de renegociação de dívidas neste período, com desconto de até 90%. A expectativa é de regularizar R$ 1 bilhão em contratos e limpar o nome de 4 milhões de pessoas. O lançamento foi antecipado por Bolsonaro em um evento de campanha. "A Caixa Econômica parece que é até um ministério, de tanto que faz para a população como um todo", declarou o presidente no dia.
Além disso, o banco antecipou o pagamento do Auxílio Brasil e do vale-gás em outubro, para o dia 25, cinco dias antes do segundo turno (30). Originalmente, o repasse terminaria dia 31. Os pagamentos dos auxílios caminhoneiro e taxista também vão acontecer antes neste mês.
Este ritmo foi questionado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), que pediu a suspensão da concessão do crédito consignado do Auxílio Brasil, citando possível uso "meramente eleitoral". No pedido de medida cautelar, o subprocurador-geral, Lucas Rocha Furtado, afirma que, apesar da lei que prevê o consignado, o "assombroso montante" de R$ 1,8 bilhão em crédito já liberado em três dias de existência da modalidade "impõe dúvidas sobre as finalidades perseguidas mediante essa atividade".
A pergunta sobre a motivação para que os lançamentos ocorram neste momento tem sido uma constante nas entrevistas e anúncios. Ao tratar do programa de renegociação de dívidas, por exemplo, a presidente da Caixa, Daniella Marques, afirmou que a escolha da data seguiu critérios técnicos, e que está relacionada à proximidade do quarto trimestre, em que o ano se encerra. Como mostrou o Estadão/Broadcast, porém, em anos anteriores, o programa foi lançado ainda no terceiro trimestre.
A presidente do banco público tem dito, em aparições públicas, que administra a Caixa com autonomia. "O presidente (Jair Bolsonaro) me dá autonomia total para tocar o banco, não tenho interferência política", disse ela nesta terça-feira, em evento realizado em São Paulo. Estavam presentes ministros do governo Bolsonaro e parlamentares aliados, como a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP).
Marques, porém, também vem destacando o papel social da Caixa, e afirma que os programas lançados são uma forma de o governo dar assistência a pessoas em vulnerabilidade e "dar asas" para esse público voar na direção da independência financeira. Nos eventos, o banco tem ressaltado os números de beneficiários do Auxílio Brasil, de 21,1 milhões, sendo que 17,2 milhões são mulheres.
Um dos motes das campanhas lançadas, por exemplo, é ajudar a formalizar mulheres beneficiárias do Auxílio que exerçam atividades informais. A executiva tem dito repetidamente que é preciso mostrar a elas que o programa, que substituiu o antigo Bolsa Família, não cancela o benefício mesmo que a pessoa que recebe o recurso abra uma MEI (Microempreendedor Individual).
Medidas a cada dois dias
Daniella Marques fez parte da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, do início do governo até o final de junho, quando foi indicada à presidência da Caixa sucedendo a Pedro Guimarães, que deixou o banco após denúncias de assédio sexual. No banco, ela tem defendido bandeiras como o estímulo ao empreendedorismo feminino, e que as medidas da Caixa para este público têm uma orientação liberal. Comenta, por exemplo, que mulheres são melhores pagadoras que homens, e que por isso, faz sentido oferecer a elas taxas de juros mais baixas.
Antes mesmo do período eleitoral, a Caixa vinha acelerando a concessão de crédito em setores altamente importantes para a economia, como o imobiliário, em que o banco é líder no País, com cerca de dois terços do mercado. Enquanto os bancos privados fecharam a torneira diante da alta dos juros, a Caixa acelerou as concessões, embora, graças à ampla base de poupança, tenha conseguido manter juros inferiores aos do mercado.
Em nota, a Caixa afirmou que adota conceitos que sustentam as boas práticas da comunicação pública na divulgação de suas ações mercadológicas. "As divulgações realizadas também atendem a um modelo institucional padronizado, com ações de comunicação recorrentes que visam apresentar à sociedade brasileira e ao mercado nacional as informações que considera relevantes no desenvolvimento de suas atividades próprias", disse o banco.
Segundo a Caixa, desde o começo do período eleitoral, em julho, até setembro, divulgou 140 informativos à imprensa sobre variados temas. "Comparativamente, de julho a setembro de 2021, foram enviados 196 desses textos, não havendo incremento na publicidade do banco", disse a CEF, que afirmou ainda que a realização de entrevistas ou reportagens sobre ações mercadológicas não ofende a legislação eleitoral.