Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Um homem de idade com uma boina e um olhar de reprovação manda o recado do governo brasileiro: "Você por acaso é sócio da Eletrobras? Preço justo já!".
O anúncio, publicado nas páginas do Ministério de Minas e Energia em redes sociais, parece culpar a maior empresa de energia do país, controlada pelo Estado, pela disparada das tarifas de eletricidade nos últimos anos.
Mas a campanha, divulgada em um momento em que o governo do presidente Michel Temer pretende levar adiante planos de privatizar a Eletrobras (SA:ELET3), gerou revolta do representante dos empregados no Conselho de Administração da companhia e reações contrárias de especialistas.
"Eu fico impressionado com a falta de informação... a Eletrobras foi sacrificada para que não tivéssemos tarifas muito maiores do que estão", disse à Reuters o consultor Roberto Pereira D'Araújo, do Instituto Ilumina, ex-conselheiro de Furnas, subsidiária da Eletrobras no Sudeste e Centro-Oeste.
Ele estimou que as tarifas de energia no Brasil subiram em média 50 por cento acima da inflação desde 1995.
A alta veio mesmo após mudanças regulatórias implementadas em 2012 pela então presidente Dilma Rousseff, que obrigaram a Eletrobras a vender a produção de suas hidrelétricas antigas por preços que mal cobrem custos de operação e manutenção.
A proposta de desestatização da empresa incluiria uma mudança nesses contratos, chamados de "regime de cotas", o que permitiria à Eletrobras sob gestão privada vender a energia a preços de mercado, bem maiores.
O presidente da estatal, Wilson Ferreira, tem dito que apesar disso os consumidores devem sentir uma redução tarifária após a privatização, uma vez que a Eletrobras vai se comprometer a direcionar recursos para reduzir encargos cobrados na conta de luz ao longo das próximas décadas.
Ainda assim, a peça publicitária do governo sobre a Eletrobras diz que o consumidor "sempre paga caro pela energia" e faz menção às bandeiras tarifárias, que aumentam o valor da conta de luz quando a oferta de geração das hidrelétricas é menor --em épocas de pouca chuva, por exemplo.
"Com a modernização da Eletrobras, essa história de mudar a cor da bandeira vai acabar", promete a campanha do Ministério de Minas e Energia.
A afirmação, no entanto, soa estranha porque o acionamento das bandeiras tarifárias é atribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), assim como a definição das tarifas, afirmou a professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) e ex-diretora do órgão regulador, Joísa Dutra.
"Quem determina a tarifa é a Aneel, e o mecanismo de bandeiras não está ligado exatamente à Eletrobras... fiquei um pouco surpresa porque uma pessoa desavisada pode ser levada a entender errado", disse.
A especialista defende a privatização, mas avalia que a campanha publicitária do governo pode não colaborar para o avanço do processo.
"É preciso cuidado para não enviar as mensagens erradas", afirmou.
A economista Elena Landau, que presidiu o Conselho de Administração da Eletrobras no ano passado e também é a favor da privatização, concorda com as críticas aos anúncios da pasta de Minas e Energia.
"Eu acho que a propaganda está muito obscura, é difícil de entender a mensagem que quer passar", afirmou.
Ela avalia que o governo deveria aproveitar as mensagens publicitárias para disseminar informações e desmentir o que considera boatos sobre o negócio, como críticas de sindicalistas de que a venda das hidrelétricas da Eletrobras entregaria os rios brasileiros a estrangeiros.
"Acho que (o governo) está perdendo uma oportunidade de explicar melhor os mitos e verdades da privatização", disse.
Procurado, o Ministério de Minas e Energia não comentou. A Eletrobras disse que não iria se pronunciar sobre a campanha do governo.
O novo tom nos anúncios sobre a privatização vem após a posse de Moreira Franco (MDB-RJ) como chefe da pasta de Minas e Energia. Ele substituiu o deputado Fernando Coelho Filho, que deixou o cargo porque pretende se candidatar nas eleições de outubro.
CONSELHEIRO REAGE
Em outra das peças da campanha pela privatização, o Ministério de Minas e Energia escreveu em letras garrafais no Facebook: "A Eletrobras está quebrada".
A afirmação, no entanto, foi rebatida de pronto por um dos conselheiros da companhia, Carlos Eduardo Rodrigues Pereira.
"Não está não. E quem está falando aqui é um conselheiro da empresa. Mais responsabilidade ao falar de uma empresa de capital aberto", escreveu Pereira em resposta ao anúncio no Facebook.
A mensagem sobre a condição da empresa, vista pela Reuters, foi posteriormente apagada da página do ministério na rede social.
Pereira, que é representante dos empregados no Conselho da Eletrobras, ainda enviou uma correspondência interna à companhia em que criticou pesadamente a campanha pela privatização.
"Nos últimos dias fomos surpreendidos por algo que não pode ser definido de outra forma senão uma campanha difamatória contra a Eletrobras... quero comunicar a todos que esta campanha não contará com o meu silêncio e que atuarei em todas as arenas em defesa da companhia", escreveu ele na carta, obtida pela Reuters.
Para o engenheiro José Luiz Alquéres, que já foi presidente e chefe do Conselho da Eletrobras, as propagandas são "um conjunto de anúncios bizarros, com afirmações que não se amparam tecnicamente".
A Eletrobras fechou 2017 com prejuízo de 1,7 bilhão de reais, contra lucro líquido de 3,5 bilhões de reais em 2016, ano em que a companhia havia voltado ao verde após anos de perdas. Os prejuízos acumulados pela elétrica somaram mais de 30 bilhões de reais entre 2012 e 2015, após as medidas do governo para reduzir as tarifas.