A onda de fortalecimento global da moeda americana, sobretudo em relação ao euro, diante do descompasso entre o discurso ameno do Banco Central Europeu (BCE) e a fala dura de dirigentes do Federal Reserve, respingou no mercado doméstico de câmbio e fez o dólar esboçar um fechamento acima da linha de R$ 4,70 nesta quinta-feira, 14.
Pela manhã, a moeda chegou a correr até a máxima de R$ 4,7414 (+1,12%), em sintonia com o ambiente externo de aversão ao risco. Com a desaceleração dos ganhos do dólar lá fora ao longo da tarde, houve movimentos de ajuste e realização de lucros intraday por aqui. Com mínima a R$ 4,6889, no fim do dia a moeda era cotada a R$ 4,6963 (+0,16%), marcando o segundo pregão seguido de leve valorização. Mesmo assim, o dólar ainda encerra a semana com ligeira queda de 0,27%. No acumulado do mês, ainda apresenta perda de 1,36%.
Segundo operadores, preocupações com as contas públicas, em meio à proposta do governo de reajuste de 5% ao funcionalismo público, e certa demanda defensiva típica em véspera de feriado também teriam contribuído para a demanda por dólares, embora de forma muito reduzida. O real, ressalta-se, foi o menos abalado hoje entre as divisas emergentes. Pares da moeda brasileira, como o peso mexicano e o chileno, amargaram baixa superior a 1%. Nas mesas de operação, avaliação de que a taxa real de juros doméstica gorda e os preços das commodities ainda em patamares elevados impedem apostas contundentes contra o real.
O mercado já amanheceu com a decisão de política monetária do Banco Central Europeu. Como esperado, a instituição manteve a taxa de juros inalterada. O euro começou a naufragar durante a coletiva da presidente da instituição, Christiane Lagarde. Ela se mostrou mais preocupada com fraqueza da atividade econômica que com a inflação elevada, atribuída em parte ao choque de energia provocado pela guerra na Ucrânia. Uma alta de juros na região pode vir "semanas ou meses" depois do encerramento do programa de compra de ativos, cuja conclusão será provavelmente no terceiro trimestre.
Logo em seguida, sobreveio a fala do presidente do Federal Reserve de Nova York, John Williams, dando conta que um aumento de 50 pontos-base na reunião do Fed em maio é uma opção razoável e que a redução do balanço patrimonial deve, de fato, começar em junho. As taxas dos Treasuries subiram em bloco, com a T-note de 10 anos batendo máxima na casa de 2,83%. Foi a senha para uma forte aceleração dos ganhos do dólar no exterior, com o índice DXY correndo até as máximas (100,761 pontos), movimento que acabou levando o dólar a tocar R$ 5,74 por aqui pela manhã.
Analistas afirmam que, após a forte apreciação no primeiro trimestre, quando o real foi a melhor moeda do mundo, o mercado busca um novo intervalo para a taxa de câmbio. Juros domésticos elevados e preços de commodities impediram uma depreciação forte do real. De outro lado, o aperto monetário nos Estados Unidos e uma desaceleração do fluxo estrangeiro sugerem que o movimento mais forte de queda do dólar por aqui pode ter ficado para trás.
Dados da B3 (SA:B3SA3) mostram que os investidores estrangeiros retiraram R$ 528,329 milhões da bolsa doméstica na terça-feira (12), levando as saídas acumuladas em abril a R$ 1,432 bilhão. Em 2022, a entrada líquida de capital externo ainda é expressiva (R$ 63,895 bilhões).
"A redução dos ingressos de recursos externos é natural, na medida que os investidores já precificam a proximidade do término da elevação da taxa de juros, em nível que pode atingir 14% ao ano", afirma o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, que ainda vê, contudo, espaço para queda do dólar neste ano e estima suporte para a taxa de câmbio em R$ 4,52. "Já as divergências em relação à intensidade da elevação dos juros nos EUA e seu impacto no mercado acionário e nas commodities são persistentes. Não há um consenso".
Em apresentação a jornalistas hoje, o economista-chefe da XP Investimentos (SA:XPBR31), Caio Megale, afirmou que um dólar "por volta de R$ 4,70 está bem equilibrado aos fundamentos neste momento". Ele ponderou que a moeda americana pode voltar a subir se o Fed tiver que fazer um aperto mais forte da política monetária, levando os juros para algo entre 5% e 6%, mas que esse não é o quadro mais provável.
Há casas relevantes que veem um quadro menos róseo para o real. Citi e Capital Economics soltaram relatório alertando para eventual perda de fôlego das divisas emergentes com aperto monetário nos Estados Unidos e ciclo mais morno das commodities. O Citi prevê taxa de câmbio a R$ 5,19 no fim do ano e a Capital Economics trabalha com dólar próximo a R$ 5.
O Citi lembra que dois terços da valorização de 16% do real no primeiro trimestre ocorreram após a escalada da crise geopolítica em razão do conflito no Leste Europeu, que turbinou os preços das commodities. Isso reforça a percepção do banco de que o bom desempenho da moeda brasileira se deve mais ao cenário externo que a fatores domésticos, como as elevadas taxas de juros. "O alto diferencial de juros também deu suporte ao real recentemente, mas essa explicação deve ser vista com cautela. O diferencial de taxa de juros dois anos à frente diminui desde o fim de 2021", afirma o Citi.