Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - A Ceal, concessionária do Grupo Eletrobras (SA:ELET3) que atende o Estado do Alagoas, ficou inadimplente em pagamentos e sob ameaça de expulsão do mercado, com o governo federal tendo problemas para regularizar o fluxo de pagamentos às distribuidoras de energia elétrica, apesar dos elevados reajustes nas tarifas neste ano.
A informação sobre a inadimplência consta de ata da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) vista pela Reuters e foi confirmada nesta sexta-feira pela distribuidora.
A empresa disse que ficou inadimplente em função do descompasso entre os custos maiores pela compra da energia termelétrica mais cara e o ingresso dos recursos das bandeiras tarifárias, "que ainda se mostram insuficientes em nível nacional", segundo resposta a questionamento da Reuters.
A concessionária também confirmou que tem recursos em atraso a receber da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que repassa às elétricas recursos para bancar subsídios tarifários e programas sociais, como descontos para famílias de baixa renda e o programa Luz Para Todos.
A expectativa é que o caixa "se ajuste até o final do ano", acrescentou a Ceal, por meio de sua assessoria de imprensa.
Após a empresa não cumprir com débitos em liquidações financeiras realizadas pela CCEE referentes a março e abril, a instituição aprovou na terça-feira o desligamento da Ceal do mercado, o que implicaria no cancelamento de todos contratos de compra e venda de energia da concessionária.
O desligamento agora será analisado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que no limite poderia cassar a concessão da distribuidora. A opção, porém, é menos provável, uma vez que a empresa culpa o descasamento de fluxo de caixa do setor pelos débitos.
Procurada, a Eletrobras não comentou o assunto.
RECURSOS INSUFICIENTES
O Tesouro realizou aportes de 20,2 bilhões na Conta de Desenvolvimento Energético desde 2013, enquanto outros 21,7 bilhões foram injetados na CDE por meio de empréstimos tomados junto ao mercado financeiro.
Os recursos, porém, não foram suficientes frente aos elevados gastos das distribuidoras com a compra de energia termelétrica, em meio à escassez hídrica, exposição a preços elevados de curto prazo e obrigações do governo junto a empresas que renovaram concessões em 2012 e tiveram direito a indenizações.
Neste ano, com o início de um processo de ajuste fiscal, a opção foi repassar os gastos da CDE para as tarifas, mas os reajustes não foram suficientes para quitar um passivo de 6,2 bilhões de reais acumulado pelo fundo no final de 2014 devido ao atraso de pagamentos.
Uma fonte importante do segmento de distribuição com conhecimento do assunto estimou à Reuters que as concessionárias ainda têm cerca de 2,4 bilhões de reais a receber em repasses atrasados da CDE.
"O repasse da CDE para as distribuidoras é de cerca de 350 milhões de reais por mês, e desde junho a intenção do governo é quitar duas parcelas a cada mês", disse a fonte, na condição de anonimato, o que faria com que o fluxo de pagamentos do fundo fosse equacionado somente em dezembro, uma vez que há sete parcelas em atraso.
A Ceron, também do Grupo Eletrobras, teve problema semelhante no início do ano e alegou que possuía créditos a receber da CDE --um dos problemas citados pela Ceal--, o que levou ao arquivamento do processo de desligamento pela Aneel em maio.
A consultoria PSR estimou que a arrecadação com as bandeiras tarifárias acumula um déficit de 1,7 bilhão de reais desde janeiro, o que levaria a 92 por cento as chances de a arrecadação não cobrir os custos até o final do ano.
Ao final de fevereiro, a CDE somava 6,8 bilhões de reais em repasses atrasados, segundo dados da Eletrobras.
A Reuters também ouviu dez distribuidoras, das quais nove viram aumentar as pendências da CDE em 2015, enquanto apenas uma disse que o fluxo foi solucionado.
A Eletrobras, que gerencia o fundo, disse ainda não ter números mais recentes devido a uma greve que paralisou suas atividades por grande parte de junho.
FÔLEGO DAS DISTRIBUIDORAS
"Embora existam algumas defasagens, isso já esteve muito pior. Existe algum desequilíbrio, mas é menor e as empresas terão que ficar carregando isso. Não vejo mais espaço para novos empréstimos ou medidas (compensatórias), as distribuidoras vão ter que bancar com o caixa delas até o próximo reajuste", disse o diretor da consultoria Excelência Energética, Erik Rego.
Rego também ressaltou que a situação da Ceal é peculiar, uma vez que a empresa já enfrentava problemas financeiros há anos.
"As distribuidoras saudáveis sentem (o impacto do descasamento de fluxo de caixa), mas não chegariam a um ponto de insolvência", explicou.
O presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Leite, no entanto, defendeu que o segmento está "ultrapassando o limite" e não conseguiria suportar novos custos imprevistos.
Com essa visão, a entidade entrou com uma ação na Justiça para impedir que as distribuidoras sofram prejuízos após a hidrelétrica de Santo Antônio obter uma liminar que a isenta de 56 dias de atraso no cronograma. De acordo com Leite, a ação tem um impacto financeiro de 400 milhões de reais sobre as distribuidoras na próxima liquidação financeira da CCEE, em 9 e 10 de junho.