Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - Planos do governo Jair Bolsonaro para aumentar a concorrência no mercado de gás natural do Brasil podem gerar uma onda de privatizações de distribuidoras do insumo e atrair grandes empresas internacionais e locais para avaliar os ativos, disseram especialistas à Reuters, embora haja alguma dúvida sobre a velocidade desse movimento.
Entre os potenciais interessados, eles citaram grupos que já atuam no setor no país, como a brasileira Cosan e a espanhola Naturgy, estrangeiros como a portuguesa Galp, a francesa Engie e a também espanhola Repsol, além de empresas de combustíveis e GLP e agentes financeiros, como fundos de pensão e de investimento.
O programa Novo Mercado de Gás, apresentado no final de junho, prevê entre suas diretrizes que empresas "com posição dominante" deverão vender todas participações em concessionárias de distribuição, o que na prática deve levar a estatal Petrobras a buscar compradores para suas fatias em 19 distribuidoras de gás, de 27 companhias que atuam no setor no Brasil.
A petroleira estatal também assinou um acordo com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) neste mês que prevê a alienação de todos seus ativos de transporte e distribuição de gás até 2021.
"Não tenha dúvida... de fato, vamos assistir esse processo de privatizações, um processo de venda bastante forte das distribuidoras de gás para mãos privadas", disse o sócio-diretor da consultoria Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto.
Ele lembrou ainda que resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) sobre o Novo Mercado de Gás determina que os ministérios de Minas e Energia e da Economia "incentivem os Estados" a privatizar suas estatais de distribuição de gás.
"São forças que se somam. A decisão do Cade, a decisão estratégica da Petrobras (de sair do setor). E ao mesmo tempo incentivos do governo federal para que os Estados abram mão de suas estatais."
A Petrobras tem fatias principalmente minoritárias em empresas estaduais de gás por meio da Gaspetro, subsidiária na qual a japonesa Mitsui detém 49% das ações. Ela ainda controla sozinha a GasBrasiliano, em São Paulo.
"Acho que vai vir muito investidor de fora. Por exemplo, a portuguesa Galp, a Repsol, a Engie, essas grandes", afirmou o advogado especializado em gás Cid Tomanik Pompeu Filho, do escritório Tomanik Pompeu.
Ele também aposta em um grande interesse da Cosan, que atua com açúcar, etanol, combustíveis e logística, além de controlar desde 2012 a Comgás, responsável pela distribuição de gás em São Paulo.
"A Cosan quando entrou na Comgás estava titubeando, mas depois que ela viu o negócio que é, ela quer comprar outras", acrescentou, apontando que a empresa poderia ter sinergias na aquisição da GasBrasiliano, por exemplo.
Agentes privados que já atuam com distribuição no Brasil, como Naturgy (ex-Gas Natural Fenosa), são "candidatos naturais", enquanto empresas de distribuição de combustíveis ou Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) e de energia elétrica também podem se interessar, na avaliação da Gas Energy.
As características dos ativos ainda devem gerar apetite de investidores financeiros, disse o sócio do escritório de advocacia Mattos Filho para a área de infraestrutura, Giovani Loss.
"Esses ativos têm um retorno não tão representativo, proporcionalmente falando, mas é um retorno garantido, vamos dizer assim, um fluxo de caixa... investidores financeiros veem a oportunidade de pegar um ativo desse e trabalhar em cima", afirmou, apontando que esses players poderiam ainda posteriormente buscar vender ou abrir o capital das operações.
A Engie, que já admitiu publicamente interesse em olhar distribuidoras da Petrobras, não respondeu um pedido de comentário, assim como Repsol e Galp. A Cosan não quis se pronunciar.
A Naturgy disse em nota que "apoia a liberalização do mercado", mas reforçou "a importância de que todas as mudanças sejam feitas com análise crítica a fim de que os objetivos possam ser alcançados para todo o mercado, evitando prejuízos difíceis de serem revertidos".
VELOCIDADE
O movimento do governo, no entanto, pode sofrer alguma resistência, com muitos Estados contrários à ideia de perder o controle de suas empresas de gás, segundo os especialistas.
Com isso, há algumas dúvidas sobre o ritmo com que os negócios acontecerão, com uma tendência de que Estados com maiores problemas fiscais possam aderir mais facilmente ao plano em troca de incentivos do governo federal, como renegociação de débitos.
O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, já aprovou projeto que permite a privatização da estatal SulGás, mas há expectativa de que alguns Estados possam rejeitar esse caminho, principalmente os controlados por partidos de esquerda, como no Nordeste.
"Tudo tem que ser visto com muita cautela. Não acho que essas coisas vão acontecer de forma muito rápida, não acho que vão vir nessa onda e velocidade... tudo vai acontecer de uma forma muito lenta e gradual, são investimentos grandes", disse a pesquisadora da FGV Energia, Fernanda Delgado.
"A gente não sabe o tempo e o movimento dessa saída (das estatais), se vão ser todas, se vai ser tudo de uma vez... acho que isso não vem como uma onda, isso reverbera como uma pedrinha que você joga no rio."
(Com reportagem adicional de Marta Nogueira)