Por Isabel Versiani e Marcela Ayres
BRASÍLIA (Reuters) - Os dados econômicos brasileiros estão "muito estranhos", com a indústria apresentando resultados dissonantes em relação aos demais setores, enquanto a arrecadação abriu o ano com um desempenho “espetacular”, disse o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, à Reuters, acrescentando que por ora a projeção oficial para o crescimento econômico segue em 2,4%.
"Os dados estão muito estranhos. Com o resultado de um, dois meses não dá para ter grandes certezas da projeção para o ano.", afirmou em entrevista exclusiva na quarta-feira. "A gente espera que este ano seja melhor que o ano passado, mas se vai ser 2%, 2,3%, vamos ter que esperar um pouco", completou, destacando que os efeitos do coronavírus sobre o desempenho econômico ainda estão envoltos em incertezas. Mansueto disse que não vai perder o sono com a possibilidade de o PIB eventualmente crescer até 0,3 ponto a menos do que o estimado no momento, até porque o impacto sobre a política fiscal não é automático. Em janeiro, antecipou, a arrecadação de receitas do governo teve um crescimento expressivo, muito acima do PIB. Os dados serão divulgados no final deste mês.
“O primeiro mês do ano foi uma arrecadação espetacular”, afirmou. “Aí você não sabe se é um mês isolado ou se é a sequência, por isso que a gente tem que esperar.”
Segundo o secretário, não houve fatores óbvios para explicar o impulso nas receitas no mês, como um desinvestimento expressivo de estatal, por exemplo, que teria impacto sobre a taxação de ganhos de capital. Sobre a indústria, o secretário destacou que, desde o fim do ano passado, o setor tem apresentado um resultado bem menos expressivo que varejo e serviços, com queda de produção e de investimento. Ele destacou que o fenômeno possivelmente reflete uma desova de estoques. Mansueto ponderou ainda que alguns subsetores manufatureiros enfrentam problemas de falta de mão de obra qualificada, enquanto outros passam por um rearranjo após anos recebendo subsídios elevados.
“Está ocorrendo alguma coisa na indústria que ninguém está entendendo direito. Uma coisa mais estrutural, tanto no Brasil quanto no resto do mundo”, afirmou.
"É engraçado porque, se você pega a demanda da indústria de 6 a 8 anos atrás, o que a indústria pedia era juros baixos e câmbio desvalorizado. Você tem as duas coisas agora. Você tem os juros baixos, à mínima histórica, e o câmbio desvalorizado, e a indústria não está reagindo tão bem”, acrescentou.
A produção industrial fechou 2019 no vermelho, interrompendo dois anos seguidos de ganhos, de acordo com dados do IBGE. Em dezembro, a queda de 0,7% sobre o mês anterior ficou acima do esperado, marcando a segunda leitura negativa seguida.
Após o Banco Central ter divulgado nesta semana que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) divergiram sobre o nível de ociosidade na economia, Mansueto afirmou que o time da Economia também está debruçado sobre a questão, buscando entender as dinâmicas que estão pautando o comportamento dos setores.
Mansueto ponderou que, numa recessão longa e profunda como a que aconteceu no Brasil, "é muito difícil ver esse momento" em que a indústria retoma o investimento.
Setores que demandam inovação tecnológica constante, como o automobilístico, acabam promovendo investimentos antes de utilizarem inteiramente sua capacidade de produção para que os parques fabris não fiquem desatualizados, disse. “Se ele não for setor muito inovador, enquanto não completar ele não volta a investir. A gente tem que entender melhor todos esses movimentos setoriais."
DÍVIDA EM QUEDA Segundo Mansueto, o governo Jair Bolsonaro deverá fechar seu mandato entregando uma queda na dívida bruta sobre o PIB apenas considerando o pagamento antecipado de empréstimos pelo BNDES ao Tesouro. Atualmente, o banco ainda tem 193,8 bilhões de reais de quase meio trilhão de reais que chegaram a ser repassados em governos petistas para que concedesse financiamentos a juros subsidiados.
"O BNDES tem para nos pagar ainda um pouco acima de 2% do PIB. Se ele pagar tudo isso ou parte disso até o final deste governo, é quase certo que a gente consegue reduzir dívida bruta só com BNDES", disse Mansueto.
Ainda não há definição do quanto será devolvido ao Tesouro neste ano, mas Mansueto lembrou que, com a política de desinvestimento do BNDES ganhando tração, o banco deverá aumentar significativamente sua liquidez, ganhando conforto para antecipar pagamentos fora do cronograma originalmente pactuado com a União. Em fevereiro, o BNDES levantou 22 bilhões de reais com a venda de suas ações ordinárias na Petrobras (SA:PETR4).
Mansueto frisou ainda que a conta de queda da dívida bruta ao fim de 2022 não envolve a venda de reservas pelo Banco Central, vetor que também foi fundamental para o recuo do indicador a 75,8% do PIB em 2019 ante 76,5% em 2018. “No Tesouro a gente não faz projeção nenhuma de dívida incorporando movimento de reserva, é variável que não está no nosso controle, é política do Banco Central", pontuou.
O secretário disse que o crescimento econômico terá papel preponderante na diminuição da dívida bruta, já que uma expansão de 1% do PIB implica redução da relação entre dívida bruta e PIB da ordem de 3,9 pontos.
Caso o Brasil consolide crescimento por volta de 2,5%, inclusive, ele estimou que uma melhora da nota de crédito do país pelas agências de classificação de risco será possível ainda em 2020.
Já o caminho para a retomada do grau de investimento é mais árduo e depende, na visão de Mansueto, da concomitante obtenção de superávit primário. O governo conseguiu economizar para pagar juros da dívida pela última vez em 2013. Pelas projeções atuais da equipe econômica, o país seguirá na trajetória de déficits primários até 2022.
"Eu acho que a gente só vai ter um grau de investimento, recuperar mesmo o grau de investimento, quando a gente estiver com crescimento mais consistente e tiver resultado primário (positivo)", disse Mansueto, estimando que isso ocorrerá "mais para frente".
Questionado sobre seus possíveis planos de deixar o governo, depois de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ter dito na semana passada que Mansueto poderia em breve ir para a iniciativa privada ou para uma instituição multilateral, o secretário disse que, quando tomar essa decisão, fará o anúncio com antecedência.
“De vez em quanto eu falo para ele (Paulo Guedes), quando começa a falar dos planos, ‘olha, vai chegar uma hora que eu vou sair porque eu não meu vejo mais três, quatro, cinco, seis anos no serviço público não’”, afirmou. “E é até bom que em algum momento eu saia para que as pessoas notem o avanço institucional que teve aqui no Tesouro Nacional”, acrescentou, destacando a prática da secretaria, mantida em sua gestão, de prestar contas ao Tribunal de Contas da Uniãdo de suas discussões internas.
(Com reportagem adicional de Jamie McGeever)