Por Marta Nogueira e Christian Plumb
BELO HORIZONTE (Reuters) - O Ministério Público de Minas Gerais planeja apresentar denúncias criminais "nos próximos dias" contra a mineradora Vale (SA:VALE3) e alguns de seus executivos e funcionários envolvidos no caso do rompimento de barragem que matou ao menos 259 pessoas em Brumadinho (MG), enquanto o Ministério Público Federal continua a investigar o caso.
Andressa Lanchotti, promotora de Justiça e coordenadora da força-tarefa do MPMG que apura o desastre, disse à Reuters que a denúncia terá de 15 a 20 acusados, incluindo também trabalhadores ligados à empresa que atestou a estabilidade da barragem, a alemã TÜV SÜD, assim como as próprias companhias.
"O que podemos tirar das investigações é que havia muitos elementos apontando risco, o risco não era desconhecido", afirmou Lanchotti, contestando argumentos da Vale de que não havia como saber que a barragem contendo rejeitos de minério de ferro estava em perigo.
A promotora preferiu não revelar detalhes sobre qual será o conteúdo das denúncias. Ela também não informou se entre os denunciados poderão estar atuais diretores da Vale.
Fabio Schvartsman, presidente-executivo da Vale na época do desastre, deixou a empresa, assim como Peter Poppinga, que atuou como diretor de Ferrosos. O diretor de Finanças e de Relações com Investidores, Luciano Siani, é um dos executivos que seguiram na companhia após o rompimento da barragem.
Em setembro, a Polícia Federal indiciou sete funcionários da Vale e seis da TÜV SÜD pelo crime de falsidade ideológica como resultado da conclusão do primeiro inquérito policial, acusando as empresas de terem trabalhado com documentos falsificados atestando a estabilidade da barragem.
O MPMG acredita que a TÜV SÜD tinha grande interesse em assinar a segurança da barragem, para que pudesse obter mais trabalho com a Vale, que havia dispensado outra empresa de inspeção que se recusou a certificar a segurança da estrutura.
"Havia ali um conflito de interesses entre TÜV SÜD e Vale, porque a TÜV SÜD tinha contratos importantes com a Vale para outras atividades, para descomissionamento de barragens, projetos, isso escancarou as falhas do sistema de fiscalização", disse Lanchotti.
Além dos 259 mortos pelo desastre, outras 11 pessoas permanecem desaparecidas, de acordo com os últimos números publicados pela Defesa Civil. O colapso da estrutura atingiu ainda mata, comunidades e rios da região.
Procurada, a Vale pontuou que um painel de especialistas contratado pela assessoria jurídica externa da mineradora concluiu em dezembro que o rompimento "ocorreu de forma abrupta e sem sinais prévios aparentes, que pudessem ser detectados pelos instrumentos de monitoramento geotécnico usualmente empregados pela indústria da mineração mundial".
Também afirmou que a contratação de uma empresa de auditoria de renome internacional, como a TÜV SÜD, "sempre teve por premissa que os auditores dessa empresa tivessem responsabilidade técnica, independência e autonomia na prestação de seus serviços".
A empresa também ressaltou que continuará contribuindo com as investigações.
Já a TÜV SÜD afirmou que não iria comentar, "já que ainda não teve acesso ao conteúdo desse documento do MPMG".
MPF
Enquanto os promotores estaduais estão próximos de revelar as acusações contra a Vale, em um momento em que se aproxima o aniversário de um ano do mais mortal desastre de barragem de rejeitos do Brasil, em 25 de janeiro, o procurador da República que lidera a força-tarefa do MPF disse à Reuters que suas investigações ainda vão demorar semanas.
A Procuradoria da República em Minas Gerais contratou especialistas em geologia da Universidade da Catalunha, na Espanha, para examinar o que provocou o colapso de Brumadinho. Essa investigação levará pelo menos até fevereiro para ser concluída e poderá ser crucial para demonstrar a culpabilidade da Vale, disse o procurador José Adércio Sampaio, em uma outra entrevista à Reuters.
MPMG e MPF afirmaram que estão comprometidos em trabalhar mais próximos desde o início da investigação de Brumadinho, reconhecendo que a apuração do desastre mineiro anterior --o colapso de barragem da Samarco, joint venture da Vale com a mineradora anglo-australiana BHP -- foi prejudicada por demora na definição de competências.
Tanto Lanchotti quanto Sampaio apontaram que mudanças adicionais de governança podem ser necessárias na Vale para melhorar as práticas de gerenciamento de riscos da empresa.
"O MPF identifica problemas sérios de gestão de riscos e governança corporativa que precisam de uma profunda reformulação. As tragédias em Mariana e, principalmente, em Brumadinho precisam deixar o aprendizado corporativo de uma política responsiva e mais responsável", disse Sampaio.
Em nota, a Vale afirmou que sempre esteve comprometida com a segurança das pessoas e de suas estruturas, e vem continuamente aprimorando seus processos de gestão preventiva de riscos.