Por Lisandra Paraguassu e Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A decisão do governo de privatizar a Eletrobras (SA:ELET3) pegou o Congresso de surpresa e, apesar do espaço para indicação de aliados ter sido reduzido com as novas regras sobre estatais, desagradou a grupos que décadas ocupam a empresa, mas o Palácio do Planalto desconsidera as queixas - avaliadas como normais - e afirma que a decisão não tem volta.
O governo e parlamentares do PMDB alinhados com o presidente Michel Temer admitem que a proposta de privatizar a Eletrobras --mantida sob segredo de um seleto grupo de autoridades e servidores-- vai gerar polêmica com a base aliada.
Cargos na holding e em empresas do grupo nas áreas de geração e transmissão, como na Eletronorte, Furnas e Eletrosul, são alvos de indicação de políticos. Esse "apadrinhamento" perderá força com a nova modelagem para a empresa e suas subsidiárias.
O momento para o Planalto é delicado, uma vez que Temer deverá enfrentar em breve uma nova denúncia apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. E qualquer mudança na correlação de forças da base --inclusive com o PMDB-- poderá prejudicá-lo.
"Claro que o PMDB veio reclamar, sabíamos que isso ia acontecer. Mas não tem como manter. O atual modelo é muito fechado, o governo não tem condições de fazer os investimentos que são necessários na empresa", justificou uma fonte palaciana.
As principais queixas são em relação às subsidiárias. Vários parlamentares atuam para tentar tirar as empresas de seus Estados do bloco a ser privatizado, mas o governo garante que vai manter o modelo como está. "Não tem sentido tirar essa ou aquela empresa. A Eletrobras é uma empresa só", disse a fonte.
No ano passado, quando o governo aprovou a lei de governança das estatais --que exige, entre outras coisas, um perfil técnico ou pelo menos conhecimento da área para indicados nas empresas públicas-- o espaço para a livre indicação política diminuiu. Mas uma outra fonte palaciana admite que elas ainda acontecem.
"O que acaba acontecendo é que, como um partido fica durante muitos anos no comando de uma determinada área, técnicos de carreira da própria estatal se aproximam do partido, criam uma ligação. E esses são os indicados", disse essa fonte.
Há dez dias, quando o governo anunciou a privatização, as reações políticas logo começaram. Um dos que criticaram a medida foi o ex-ministro de Minas e Energia no governo de Dilma Rousseff, o senador Edison Lobão (PMDB-MA). O senador defendeu que o problema da Eletrobras são as distribuidores estaduais que assumiu, mas que a empresa não poderia ser privatizada por ser estratégica para o país.
As reclamações, no entanto, não vão ter muita resposta do governo. "A decisão não precisa passar pelo Congresso. Nesse caso o governo não precisa negociar", lembrou a primeira fonte.
O Planalto alega que o governo não tem condições de fazer os investimentos necessários na empresa. "Mesmo que a gestão tenha melhorado, é preciso um enorme investimento. O mais provável é que o setor privado consiga resultados melhores", disse a fonte.
Tradicional reduto do PMDB --que teve de dividi-la com o PT durante o governo de Dilma Rousseff-- a Eletrobras entrou lateralmente nas investigações da operação Lava Jato. Delações premiadas e documentos coletados na investigação que miravam essencialmente a Petrobras (SA:PETR4) levaram à descoberta de esquema de propinas na construção da usina nuclear de Angra 3.
O ex-presidente da Eletronuclear almirante Othon Luiz Pinheiro foi condenado a 43 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro, embaraço a investigações, evasão de divisas e organização criminosa.
E a empresa continua sob suspeita, com investigações além de Angra 3, como, por exemplo, a usina de Belo Monte. O Ministério Público Federal pediu ao Tribunal de Contas da União que entrasse, junto com a Polícia Federal, na investigação que está sendo feita da Eletrobras e suas subsidiárias por suspeita de que há na estatal esquema de propinas semelhante ao da Petrobras.
O líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), disse que o governo não pode atender a pedidos pontuais de excluir determinadas subsidiárias do processo, sob pena de inviabilizá-lo completamente. "O deputado pode até ficar insatisfeito, querer marcar uma posição ele, mais dois ou três ali --espero que isso não aconteça. Mas não é que isso vai levar a um processo de contaminação da base.”
O líder do governo no Senado, Romero Jucá (RR), disse que não há preocupação com dificuldades na base a partir da privatização do setor. Ele destacou que a aprovação da chamada Lei das Estatais no ano passado reduziu a pressão dos parlamentares e políticos em fazer nomeações para esses postos.
Jucá lembrou ainda que outras empresas saíram das mãos do Estado sem ter havido polêmica com indicações políticas. "Quantas empresas estatais foram privatizadas sem ocorrer esse tipo de problema?", questionou Jucá, que também é presidente do PMDB.
Um dos vice-líderes do PMDB da Câmara, Lúcio Vieira Lima (BA), reconhece que o partido é a legenda que terá mais a perder com a mudança, mas disse que é preciso demonstrar responsabilidade com o país.
"O PMDB tem que dar o exemplo nisso. Quem quer cobrar dos outros apoio ao governo, não pode dar argumentos para ser cobrado", destacou.
Ao rebater a pressão de políticos da Bahia para que a Chesf não seja incluída no processo de privatização, Vieira Lima tem o discurso perfeito para mostrar altruísmo com a venda do controle acionário da Eletrobras. "O que é melhor: privatizar com a geração de milhares de empregos ou deixar do jeito que está e garantir o emprego de meia dúzia de pessoas que tem acesso a padrinhos e adiar as reformas que o país precisa para voltar a crescer?"
(Com reportagem adicional de Silvio Cascione)