Por Luciano Costa
SÃO PAULO (Reuters) - As investigações ainda em andamento sobre eventuais práticas de corrupção na estatal Eletrobras (SA:ELET3) deverão dificultar ou atrasar planos do governo federal de vender ativos da companhia, dado o cuidado com que investidores têm analisado negócios que possam estar envolvidos em irregularidades, afirmaram especialistas à Reuters.
O novo ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, já disse que a estatal deverá tentar vender principalmente suas distribuidoras de energia e fatias minoritárias em projetos de geração e transmissão, em uma tentativa de levantar caixa após acumular 34 bilhões de reais em prejuízos desde 2012.
O total a ser levantado pela Eletrobras com os desinvestimentos é incerto, mas a maior empresa do setor elétrico do país poderia vender participação em 49 projetos de geração operacionais, em um total de 12,8 gigawatts, ou pouco mais que a capacidade da mega hidrelétrica de Belo Monte, ainda em obras.
O problema é que as fatias nos maiores projetos, que poderiam gerar mais recursos, são justamente os ativos atualmente em investigação por auditorias internas ou no foco da operação Lava Jato, que apura esquema de pagamento de propina envolvendo empreiteiras e políticos, o que pode afugentar compradores.
"Nós não podemos. A gente não entra em uma aquisição de jeito nenhum se tiver o menor sinal (de suspeita de corrupção)", afirmou à Reuters o presidente-executivo de uma grande elétrica brasileira controlada por capital estrangeiro, sob a condição de anonimato.
Entre os ativos em geração passíveis de serem vendidos, cerca de 1,6 gigawatt são usinas eólicas e 11 gigawatts são hidrelétricas, que incluem participação em projetos de grande porte como as usinas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia, e Teles Pires, no Mato Grosso.
"Uma empresa que não está envolvida nesses ativos, quando analisa, não tem condições de saber se a investigação acabou. O investidor potencial fica pensando: qual o fundo desse poço?", afirmou o sócio na área de Energia do TozziniFreire Advogados, Pedro Seraphim.
Em meio às investigações, a Eletrobras ainda não conseguiu quantificar eventuais perdas por corrupção em projetos. Dessa forma, a empresa não apresentou balanços auditados de 2014 e 2015 nos Estados Unidos e com isso teve suspensa a negociação de suas ações na Bolsa de Nova York, outra questão no radar dos investidores.
A ideia do governo é vender ativos isoladamente e não subsidiárias inteiras da estatal, como Furnas, onde as investigações também já respingaram.
Para o consultor Cássio Cavalli, do escritório Veirano Advogados, ainda há muitos pontos em aberto antes que se possa estimar eventuais impactos de corrupção sobre o preço dos ativos da Eletrobras, como os valores que teriam sido desviados e eventuais multas a serem aplicadas.
"No final das contas, isso seria um impeditivo quase insuperável para a realização de transações. Ninguém quer comprar um cavalo de troia. O investidor quer pagar pelo ativo o valor de mercado, sem que isso acarrete uma exposição", afirmou.
DISTRIBUIDORAS ANTES
As vendas das deficitárias distribuidoras, ainda não citadas diretamente nas investigações, deverão ocorrer primeiro, conforme já sinalizou o ministro, com um entendimento no mercado de que uma boa gestão privada poderia reverter o mau desempenho das empresas, ainda que muitas acumulem elevados passivos.
"Como elas estão em uma situação ruim, isso pode ser interessante para alguns grupos. Porque está tão ruim que é fácil melhorar", afirmou o especialista em setor elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Nivalde de Castro.
A opção também aproveitará um momento em que o setor de distribuição do Brasil tem chamado a atenção de investidores, como a chinesa State Grid e a italiana Enel (MI:ENEI), além da CPFL (SA:CPFE3), que na semana passada comprou a gaúcha AES Sul e disse que pretende continuar em expansão no segmento.
A primeira negociação da Eletrobras, da distribuidora goiana Celg-D, teve o processo iniciado ainda com Dilma Rousseff na presidência, mas tem enfrentado uma série de contratempos, como a crise política do país e queixas de investidores de que o preço estabelecido estava muito elevado.
O governo pediu um mínimo de cerca de 2,8 bilhões de reais pelas fatias da Eletrobras e do governo de Goiás na Celg, o que chega a 5,2 bilhões se incluídas as dívidas da empresa, enquanto a CPFL pagou 1,7 bilhão e assumiu mais 1,1 bilhão em dívidas pela companhia privada AES Sul.
SPEs COMPLEXAS
Além das participações em geração, a Eletrobras também tem fatias em 87 sociedades na área de transmissão de energia que podem ser comercializadas.
Todos esses negócios, no entanto, estão organizados como Sociedades de Propósito Específico (SPEs), formato que traz complicações adicionais para os eventuais investidores, uma vez que o Tribunal de Contas da União (TCU) já afirmou em acórdão de 2015 que a estrutura de gestão das SPEs facilita esquemas de corrupção.
Outro problema deve-se à própria lucratividade dos negócios.
O ex-presidente da Eletrobras Luiz Pinguelli Rosa disse à Reuters que em muitos desses projetos a estatal aceitou ter uma remuneração menor que a dos sócios privados.
"Em alguns deles (a Eletrobras) é muito mal remunerada... entra em situação desfavorável... tem remuneração abaixo dos sócios, ela entra para viabilizar os negócios. No mesmo projeto existem remunerações diferentes do capital", afirmou.
Para Pedro Seraphim, do TozziniFreire, a baixa remuneração de alguns projetos da estatal deverá gerar descontos no momento de uma eventual venda. Segundo ele, acaba "sendo prejuízo para quem vende, mas é melhor ter dinheiro no bolso do que um projeto que não rende tanto".
(Reportagem adicional de Marcelo Teixeira)