Por Tony Munroe e Muyu Xu e Gabrielle Tétrault-Farber
PEQUIM (Reuters) - A China misturou política e esporte com uma ousadia inédita desde a Guerra Fria, nesta sexta-feira, com o presidente Xi Jinping anunciando uma nova aliança com o russo Vladimir Putin poucas horas antes de presidir uma espetacular cerimônia de abertura da Olimpíada de Inverno.
Realizada no famoso estádio Ninho de Pássaro diante de um público reduzido por causa da Covid-19, a cerimônia de abertura superou facilmente a alta expectativa de espetáculo esperado da China. Três mil artistas subiram ao palco composto por 11.600 metros quadrados de tela de LED de alta definição.
Dançarinos invadiram o estádio agitando hastes verdes brilhantes para marcar o primeiro dia da primavera no calendário chinês, seguido por uma explosão de fogos de artifício brancos e verdes que soletravam a palavra "Primavera".
Imagens a laser de cada um dos 23 Jogos de Inverno anteriores foram mostradas, e o bloco foi então "quebrado" por jogadores de hóquei no gelo, permitindo que os anéis olímpicos surgissem, todos em branco.
Durante o tradicional "desfile das nações", competidores de "Hong Kong, China" foram recebidos com aplausos --assim como os do "Comitê Olímpico Russo"-- nome usado para delegação russa enquanto o país está oficialmente banido por doping.
Fogos de artifício triunfantes foram lançados no céu noturno depois que Xi declarou os Jogos abertos. Mas a pirotecnia mais relevante pode ter ocorrido horas antes da cerimônia, quando Xi e Putin anunciaram uma aliança, proclamando uma amizade "sem limites" entre seus países.
Foi um forte lembrete de que os Jogos estão sendo realizados em um cenário de rivalidade geopolítica nunca vista desde os boicotes da Guerra Fria na década de 1980, quando os Estados Unidos se recusaram a participar da Olimpíada de Moscou em 1980 e a União Soviética ficou fora de Los Angeles em 1984.
Com as tensões em ambos os lados da massa terrestre da Eurásia no nível mais alto em décadas, Putin e Xi tomaram partido publicamente em uma série de questões, principalmente a Ucrânia, onde o Ocidente acusa Putin de se preparar para a guerra.
BOICOTE DIPLOMÁTICO
Como nos Jogos de Verão de Tóquio, realizados há apenas meio ano, a pandemia de Covid-19 impôs severas restrições. Com a China ainda aderindo a uma política de "zero Covid", apesar da variante Ômicron do coronavírus se espalhar rapidamente pelo mundo, os organizadores decidiram no mês passado não vender ingressos para eventos olímpicos. Um "circuito fechado" separa os atletas e outros participantes do público chinês.
Mas com conversa sobre guerra na Europa e rivalidade crescente na Ásia, a Covid não era a maior distração do esporte. Os Estados Unidos e outros países se recusaram a enviar dignitários a Pequim, citando supostos abusos de direitos humanos, o que Pequim nega.
O papel da China no esporte global também tem sido criticado nos últimos meses devido ao caso da tenista Peng Shuai. O circuito de tênis feminino cancelou eventos na China dizendo que temia por sua segurança depois que ela aparentemente acusou uma autoridade graduada de agressão sexual. A mídia chinesa mostrou Peng fazendo aparições públicas, incluindo uma videochamada no ano passado com o chefe do Comitê Olímpico Internacional, Thomas Bach.
Por causa da pandemia, os dignitários em visita às Olimpíadas foram os primeiros a fazer viagens oficiais a Pequim em mais de dois anos. O convidado de honra era claramente Putin.
O líder russo --que sediou Olimpíada de Inverno em 2014 poucos dias antes de enviar tropas para tomar a Crimeia da Ucrânia-- agradeceu a Xi por convidá-lo, acrescentando: "Sabemos em primeira mão que este é um grande trabalho".
Em uma declaração conjunta sino-russa, Pequim apoiou o apelo de longa data da Rússia para que a aliança militar ocidental Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) interrompa sua expansão --demanda central de Moscou em uma disputa com países ocidentais que dizem acreditar que Putin está se preparando para uma guerra na Ucrânia.
A Rússia, que enviou mais de 100.000 soldados para a fronteira ucraniana, nega planejar a invasão, mas diz que pode tomar uma ação militar não especificada a menos que as exigências sejam atendidas, incluindo impedir a Ucrânia de ingressar na Otan.
Moscou, por sua vez, disse que apoia totalmente a posição de Pequim em relação a Taiwan e se opõe à independência de Taiwan de qualquer forma.
(Reportagem de Yew Lun Tian, Chen Aizhu em Cingapura e Gabriel Crossley em Pequim, Vladimir Soldatkin e Oksana Kobzeva em Moscou)