Por Gustavo Bonato e Marta Nogueira
SÃO PAULO/RIO DE JANEIRO (Reuters) - A Petrobras divulgou seu esperado balanço não auditado do terceiro trimestre de 2014 na madrugada desta quarta-feira sem incluir baixas contábeis por denúncias de corrupção, frustrando expectativas de analistas e derrubando suas ações em 11 por cento.
A empresa, no epicentro da Operação Lava Jato da Polícia Federal que revelou esquema de sobrepreço em contratos, teve lucro de julho a setembro do ano passado de 3,1 bilhões de reais, redução de 38 por cento sobre o trimestre imediatamente anterior e queda de 9,1 por cento na comparação anual.
Apesar de não ter contabilizado a redução no valor de seus ativos, a Petrobras divulgou um cálculo sugerindo baixas contábeis potenciais de mais de 60 bilhões de reais relacionadas aos empreendimentos que são alvo de investigação.
A apresentação do balanço da estatal de julho a setembro deveria ter sido feita em novembro passado, mas foi adiada após o auditor PricewaterhouseCoopers se recusar a aprovar as contas devido às denúncias envolvendo a estatal e algumas das maiores empreiteiras do Brasil.
"Concluímos ser impraticável a exata quantificação destes valores indevidamente reconhecidos, dado que os pagamentos foram efetuados por fornecedores externos e não podem ser rastreados nos registros contábeis da companhia", disse a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, em comentários no balanço.
A empresa disse que tentou calcular as baixas contábeis em ativos envolvidos nas denúncias pela estimativa da diferença entre o valor justo e o valor contábil, e também a quantificação do sobrepreço decorrente de atos ilícitos a partir de informações, números e datas nos depoimentos à PF.
Cerca de um terço dos ativos da companhia, somando 188,4 bilhões de reais, passaram por avaliação, sendo a maior parte do trabalho feita por avaliadores independentes globais.
Segundo a Petrobras, o resultado das análises mostrou que parcela dos ativos está superavaliada em 88,6 bilhões de reais, enquanto outra está subavaliada em 27,2 bilhões de reais. Os valores indicam a necessidade de uma baixa contábil de 61,4 bilhões de reais.
No entanto, a companhia afirmou que desistiu de usar essa metodologia, "pois o ajuste seria composto de diversas parcelas de naturezas diferentes, impossível de serem quantificadas individualmente".
Uma fonte próxima à companhia afirmou que a reunião do Conselho de Administração na terça-feira para aprovar o balanço foi tensa e durou mais de 10 horas.
Os ex-ministros Guido Mantega e Miriam Belchior, chairman e conselheira da Petrobras, pressionaram o colegiado a não aceitar grandes baixas contábeis em ativos da estatal que poderiam ser percebidas como integralmente relacionadas às denúncias de corrupção na estatal, disse a fonte, que falou sob condição de anonimato.
Isso porque não necessariamente a diferença total entre o ativo imobilizado e o seu valor justo é resultante de fraude. A identificação de falhas no planejamento de engenharia de um projeto, por exemplo, tem influência direta sobre seu valor justo.
No balanço, a Petrobras disse que continua trabalhando para produzir demonstrações financeiras revisadas pela Price no menor tempo possível. A empresa estudará outra metodologia que tome por base valores, prazos e informações contidos nos depoimentos em conformidade com as exigências dos órgãos reguladores dos mercados de capital no Brasil e nos Estados Unidos.
Segundo informações da PF, de procuradores e dos delatores do caso, incluindo o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, executivos da estatal indicados por políticos conspiraram com empresas de engenharia e construção do país para sobrevalorizar refinarias, navios e outros bens e serviços.
O escândalo na Petrobras tem assombrado este início de segundo mandato da presidente da República Dilma Rousseff, que presidiu o Conselho da estatal de 2003 a 2010, quando era ministra no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
REPERCUSSÃO
A ausência de uma baixa contábil relacionada às denúncias da Lava Jato prolonga as incertezas sobre a saúde financeira da Petrobras. Muitos analistas criticaram o conteúdo do balanço divulgado.
"A intenção da companhia de divulgar o balanço não auditado foi para atender as obrigações da companhia com os credores, mas se não tem baixa contábil, para que serve?", indagou a XP Investimentos em relatório. "Permanecemos não recomendando exposição ao ativo. Só via operações estruturadas."
Às 12h41, as ações preferenciais da Petrobras caíam 11,21 por cento, na mínima da sessão. Os papéis ordinários cediam 11,31 por cento. No mesmo horário, o Ibovespa tinha desvalorização de 2,07 por cento.
Analistas do Credit Suisse disseram que a ausência de baixas contábeis é "um sinal de que podemos estar longe de finanças auditadas, uma importante fonte de preocupação dos investidores".
A fonte próxima à Petrobras ouvida pela Reuters disse que a estatal deverá incluir baixas contábeis relacionadas à denúncias de corrupção no balanço do quarto trimestre de 2014. A previsão é que o documento seja divulgado, já auditado, até o fim de abril, segundo a fonte.
BALANÇO DO TRIMESTRE
O lucro operacional da Petrobras nos três meses até setembro caiu 38 por cento sobre o trimestre anterior, para 4,6 bilhões de reais.
A descontinuidade dos projetos das refinarias Premium I e II, no Maranhão e Ceará, informada no balanço fez com que a Petrobras incluísse baixa de 2,7 bilhões de reais no resultado. Além disso, pesaram os gastos de 1 bilhão de reais com acordo coletivo de trabalho e o pagamento de cerca de 900 milhões de reais à Bolívia por acordo para importação do gás natural.
Já a maior produção de petróleo e consequente exportação agregaram 2,4 bilhões de reais ao resultado operacional do terceiro trimestre em relação aos três meses anteriores.
O Ebitda (sigla em inglês para lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) ajustado, indicador do desempenho operacional, somou 11,7 bilhões de reais no terceiro trimestre, ante 16,2 bilhões de reais de abril a junho de 2014 e 13,1 bilhões no terceiro trimestre de 2013.
(Reportagem adicional de Jeb Blount, no Rio de Janeiro)