Investing.com – A nova tributação das offshore levou a estratégias distintas de escritórios boutique voltados à gestão patrimonial de alta renda. A orientação é utilizar modalidades distintas para pagamento dos tributos, a depender do tipo de ativo investido nas offshore, segundo especialista do Andbank.
O Investing.com Brasil conversou com Octávio Arruda, Head of Wealth Planning no Andbank, sobre o impacto da tributação das offshore para a gestão de grandes fortunas e os desdobramentos para uma sucessão de ativos no exterior.
O Andbank é um banco especializado na gestão de patrimônio para clientes de alto, com atuação em 11 países, incluindo, desde 2011, o Brasil. Hoje, realiza a gestão de R$250 bilhões, com estratégias de planejamento sucessório e patrimonial, mercado de capitais, crédito, entre outros.
É esta a mecânica que estamos vendo, de divisão de bolsos, a depender de qual o apetite de risco e de quais ativos nos quais o investidor está investindo”, orienta Arruda.
No final do ano passado, o governo brasileiro revisou a tributação dos ativos financeiros no exterior pertencentes a pessoas físicas residentes no Brasil, com recursos aplicados por meio de empresas ou fundos conhecidos como offshore.
Antes, os investimentos em renda fixa no exterior, por exemplo, não contavam com regra de tributação na legislação, trazendo dúvidas de interpretação. Quando o rendimento era considerado ganho de capital, as alíquotas iam de 15% a 22,5%, enquanto, em outros momentos, quando o modelo usado era do carnê-leão, a taxação poderia atingir até 27,5%.
Agora, os lucros das empresas offshore devem ser possuem a mesma alíquota de 15% e devem ser incluídos em declaração anual para que a Receita Federal realize a tributação referente ao ano de apuração do balanço.
O investidor deve prestar atenção nas situações em que pode utilizar as modalidades conhecidas como “opaca” e “transparente”, que são detalhadas pelo especialista.
“Assim, o investidor pode tirar o melhor dos dois mundos. Um você compensa e o outro não. Outra coisa, na opaca, agora você consegue ter balanço. Então se você tem despesas, também te ajuda”, ressalta Arruda.
Confira a entrevista.
Investing.com – Quais são as principais mudanças que estão previstas em relação à tributação das offshore?
Octávio Arruda – No fundo exclusivo, mudou algo que já era aplicável para outros fundos, e o país começa a aplicar para outros. Ou seja, o mercado se adaptou muito rápido. A gente já conhecia o que acontecia de um lado, mas no caso das offshore não. Para as offshore, mudou de cabeça para baixo a legislação. É algo completamente novo que estamos visualizando.
Então, se o investidor tem dinheiro, quer investir lá fora, tem tamanho suficiente para bancar o custo da estrutura, de ter uma empresa controlada no exterior e tudo mais, não tinha que pensar. Iria fazer o investimento pela empresa. Se ele fazia na pessoa física, tinha que pagar todas as liquidações no mês seguinte. Recebi um cupom, recebi, vendi uma ação com ganho, recebi um dividendo, tinha que pagar até o mês seguinte.
Não compensava nada na pessoa física. Se ganhou na Apple (NASDAQ:AAPL), perdeu na Netflix (NASDAQ:NFLX), problema seu. Ou, pior ainda, ganhou num fundo, perdeu na ação, ganhou numa renda variável, é problema seu. Quando ganhava, você pagava, mas a perda era sua perda.
Inv.com – Quais eram as vantagens de realizar as operações com uma empresa offshore?
Arruda – Então a empresa tinha todas as vantagens do mundo. Ela tinha a vantagem de compensação de perdas e ganhos, ela tinha a vantagem principal de diferimento fiscal, ou seja, só pagava quando tinha uma liquidez que saía da empresa e ia para a pessoa física.
Não precisava voltar para o Brasil, mas se a pessoa tinha uma empresa lá nas Ilhas Virgens Britânicas, tinha o lucro dela ao longo do ano e distribuiu para o sócio, na conta dele lá no Andbank de Miami, por exemplo, ele ia pagar, no Brasil, sobre esse dividendo que ele recebeu da empresa, em 27,5%. Só que o ponto é, enquanto a empresa não distribui, enquanto a empresa não faz redução, ia tendo aqueles juros sobre juros eternos, sem tributar nunca. Então era maravilhoso, do ponto de vista fiscal, para o contribuinte.
Inv.com – O que mudou, na prática?
Arruda – Com a nova lei, a gente teve uma mudança de formato de tributação. Então, meio que equiparou alíquotas. De longe, o cenário que ficou mais favorável foi o de pessoa física.
Então a pessoa física antes não compensava nada, ela tinha que entender, isso é um problema que afastava muita gente de investir no exterior, tinha que entender a natureza do recebimento. Se era juros, era uma coisa, se era dividendos, era outra, se era um cupom, eu não sabia muito bem se era juros ou cupom. Porque ganho de capital era 15% a 22,5%.
E rendimentos eram 27,5%. Só que juros de aplicação financeira no exterior, eu considerava como ganho de capital também. Tudo tendo que ser pago até o mês seguinte, sem compensar nada e com variação cambial.
O que aconteceu a partir da nova lei foi que houve equiparação de todas as alíquotas. Então assim, todo mundo que tem aplicação financeira, e isso é muito importante, pois para outros negócios não mudou, continua nesse esquema. Se eu tenho uma controlada no exterior que está fora de paraíso fiscal, ela é operacional mesmo, eu tenho uma empresa nos EUA que presta serviços, eu continuo naquele esquema, só tributa 27,5% ou 15%, dependendo da natureza, quando ela me distribuir.
O que eu estou falando aqui é de aplicação financeira no exterior só como um veículo, uma casca para eu investir nos EUA, na Europa, enfim, no mercado internacional. O que acontece é o seguinte, todas as alíquotas agora, independente da natureza, se é aplicação financeira, se é juros, se é ganho, é 15% de alíquota fixa.
Então se a gente olha, e teve muita chiadeira no mercado, as alíquotas máximas abaixaram. O ganho de capital era 15% a 22,5%, só que as faixas são muito gordas no Brasil. Então 22,5% era só para ganho acima de 30 milhões de reais. Pouca gente atingia esse nível de tributação, então a média sempre foi 15%. Só que para rendimento, era 27,5% e foi para 15%.
No entanto, agora o pagamento agora ocorre em bases anuais. Para quem investe na pessoa física, haverá uma alíquota de 15% e a tributação acontece igualzinho ao que aconteceu ano passado, ou seja, é regime de caixa. Enquanto eu não vendo a ação da Apple com ganho, enquanto eu não recebo o cupom, enquanto eu não recebo o dividendo, eu não tenho que pagar nada. A ação da Apple pode explodir no papel, se eu não vendi, eu não tenho que pagar nada.
Na pessoa jurídica, na minha controlada no exterior, o governo colocou na mesa duas modalidades de tributação. Ele colocou a modalidade que a gente chama de opaca no mercado, mas não é esse o nome, o nome é regra geral.
A Receita Federal não enxerga através da estrutura, ele para o olhar dele na participação societária e tributa assim como ela tributa no Brasil, pede um balanço, por contador brasileiro, em regras brasileiras. O balanço tem as regras brasileiras, mas ele é feito na moeda estrangeira. Se houve lucro, paga 15%, se houve prejuízo, carrega para o próximo ano ou próximo lucro.
Essa tributação é anual. E então, tanto para a pessoa física como para a pessoa jurídica, o pagamento sempre será no próprio imposto de renda da pessoa física do ano seguinte.
Então, para a pessoa física, ficou muito mais fácil. Agora só paga uma vez ao ano. Para a pessoa jurídica é a mesma coisa, fecha o balanço em 31 de dezembro, se houver lucro, passa esse lucro em dólar para a Ptax de 31 de dezembro, e paga 15% em maio do ano que vem, na própria declaração de pessoa física. A vantagem é que o investidor paga sempre, mas paga “na boa”. Só paga quando tiver lucro em dólar nos investimentos.
Inv.com – Há algum ponto negativo com a mudança? Qual?
Arruda – E o lado negativo, é que, veja, eu pago todo ano. Eu não estou mais olhando a relação entre a pessoa física e a empresa. Eu estou aplicando uma regra que já existia para pessoas jurídicas, que no mundo inteiro se aplica, que é chamada de regra de CFC, que é Controlled Foreign Companies, que é não precisar da distribuição para tributar.
Há tributação do resultado da sua controlada como se fosse o investidor. Por isso, o pagamento ocorre no imposto de renda da pessoa física. Então, esse é o lado negativo.
Agora eu pago em bases anuais. O lado positivo é que eu tributo só o que eu efetivamente ganho em dólar. O outro lado negativo é o balanço. Tem uma discussão forte, mas a Receita Federal tem uma posição bem agressiva em relação a isso, com tributação de ganhos não realizados.
Então, se a ação da Apple no começo do ano foi de 10 para 100, mesmo sem vender, isso vai estar no balanço e haverá tributação. E isso foi o grande pênalti que o mercado sentiu.
Porque a alíquota melhorou. O pagamento com bases anuais, é chato, mas enfim, o mundo inteiro já é assim, então tudo bem. O que não ocorre no mundo inteiro, e isso foi meio jabuticaba e um cenário um pouco agressivo da Receita, é de considerar no balanço o lucro não realizado dos seus investimentos. Então, às vezes a pessoa está rica no papel, mas ela não tem caixa para pagar.
Inv.com – Com essas mudanças, vocês estão sugerindo alguma mudança na estratégia dos investidores de vocês?
Arruda – Vou explicar o segundo cenário de pessoa jurídica para entender como estamos orientando. A regra geral era essa, tributo em bases anuais e tudo mais. A segunda opção que o Congresso deu é a chamada entidade transparente. Como o nome já diz, a Receita Federal, o fisco brasileiro, enxerga através da sua empresa, quer saber o que há na carteira.
Então o investidor vai declarar no Imposto de Renda, não uma linha só, mas sim uma ação da Apple, uma ação da Netflix, um bond, vai discriminar como se fosse na física. E a transparência fiscal é justamente isso. Não existem três regimes. Existe pessoa física e empresa. E se o investidor quiser, trata a empresa como se fosse pessoa física, que é transparente.
Então são dois regimes. O regime de caixa, na transparência, ele segue a mesma coisa que segue na pessoa física. Então só tributa quando, efetivamente, realizar o investimento.
Qual é a desvantagem? Entendendo a mecânica disso, quando o investidor discrimina isso no Imposto de Renda, o custo de cada investimento é realizado. Ele tem um valor em reais.
Eu comprei a ação da Apple por 10 reais, que na época era tantos dólares. Mas eu coloco sempre em real. Logo, o meu ganho também vai ser passado para o real, de modo que eu vou embutir, nesse ganho, a variação cambial positiva.
Mas, se comprar uma ação por dez dólares e vender ao mesmo preço, na opaca, a tributação vai ser zero, porque o resultado em dólar foi zero. Só que, na transparente, será preciso pagar sobre um ganho, na mesma operação.
Muitos preferem pagar sempre, pagar menos e pagar ‘na boa’, do que diferir e ficar sujeito a um risco cambial. Que, no Brasil, geralmente não ajuda. Então, é isso que a gente viu de mercado.
Assim, vimos um estudo de um prestador que mostrou que, na base brasileira,
97% das empresas, da base deles, de 100%, 97% eram na modalidade opaca. 3% usavam a transparente. Além disso, ninguém tem só transparente. Quem tem transparente tem duas, tem tamanho para ter duas empresas lá fora, e aí segrega o portfólio.
Assim, a estratégia é: Para carteira de líquidos não alternativos, o arroz com feijão, a ação da Apple, ETF, fundos, bonds, recomendamos opaca, porque geralmente haverá liquidez para pagar. O pagamento ocorre todo ano, mas o investidor está recebendo um bond, geralmente paga muito cupom.
Para private equity, startups, ações que o investidor quer carregar, por exemplo quem participou de um IPO de uma empresa, tudo isso vai na modalidade transparente. Isso que mudou um pouco a dinâmica de como investir.
Assim, o investidor pode tirar o melhor dos dois mundos. Um você compensa e o outro não. Outra coisa, na opaca, agora você consegue ter balanço. Então se você tem despesas, também te ajuda.
Então, às vezes, alavancar investimento tomando crédito lá fora, porque vai ter despesa financeira com juros, eventualmente todas as despesas com contador, emprestador de serviços lá fora, tudo da empresa, também consegue diminuir um pouco o do custo. Mas é sempre bom falar que é preciso ter bom senso, pois as despesas que podem ser deduzidas são despesas operacionais do negócio, vinculadas ao negócio.
É esta a mecânica que estamos vendo, de divisão de bolsos, a depender de qual o apetite de risco e de quais ativos nos quais o investidor está investindo.