O plenário do Senado deve analisar nesta semana a medida provisória que muda regras do JCP (juros sobre capital próprio) –instrumento usado por grandes empresas para remunerar acionistas e pagar menos impostos. O texto foi aprovado na Câmara na última 6ª feira (15.dez.2023).
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretendia eliminar o JCP a partir de 2024, mas não conseguiu avançar com a proposta no Congresso. Ainda assim, as mudanças serão uma forma de aumento indireto dos tributos, do IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido). A equipe econômica do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, defende que é uma forma de reduzir os benefícios fiscais aos mais ricos.
Em vez de acabar com o JCP, a Câmara aprovou um texto que estabelece critérios e restringe os valores que as empresas podem considerar para a base de cálculo dos juros sobre capital próprio. Ou seja, será mais restrita a forma como essa despesa das companhias será deduzida da base de cálculo dos tributos federais.
Na prática, o JCP é uma forma de as empresas receberem empréstimos de seus próprios acionistas, sócios ou cotistas (capital próprios, portanto). Remunera-os com o pagamento de juros a partir do capital investido na empresa.
Com a flexibilização da proposta do governo, o benefício fiscal tende a diminuir, mas o impacto não será dos R$ 10,4 bilhões previstos pelo governo em 2024. O Ministério da Fazenda ainda não divulgou o valor de impacto fiscal para o próximo ano. Everardo Maciel, ex-secretário da Receita Federal, declarou que a “repercussão tributária” não vai ter muita relevância.
A empresa não poderá considerar os ganhos no patrimônio líquido decorrentes de atos societários entre partes dependentes, “que não envolvam efetivo ingresso de ativos à pessoa jurídica, com aumento patrimonial em caráter definitivo”.
Em suma, o dispositivo da lei impede que haja manobras contábeis artificiais que aumentam a base para pagamento de JCP. Nesse caso, as empresas não serão beneficiadas ao fazerem atos societários com algum empreendimento subordinado que não representam um acréscimo efetivo ao valor do patrimônio da empresa.
Antes, esse ato societário poderia ser contabilizado para a empresa pagar menos IRPJ e CSLL –mesmo que não houvesse acréscimo no patrimônio. A regra veda essa possibilidade a partir de 1º de janeiro de 2024, quando a lei entra em vigor –se aprovada no Senado.
Só será deduzido do IRPJ aqueles juros sobre capital próprio que forem efetivamente aportados na empresa. Outra mudança é sobre as reservas de capital, que são como uma espécie de poupança das empresas para situações de emergência. A empresa pode aportar parte dos recursos e utilizar como forma de JCP para remunerar os acionistas.
A restrição adotada na Câmara faz com que a reserva só possa ser usada se for um montante criado por uma diferença entre o preço de emissão das ações da empresa e o valor nominal.
O uso de doação ou subvenções governamentais para investimentos também não poderá entrar no cálculo dos JPC.
BRECHA FISCAL
Analistas defendem ser necessário coibir práticas tributárias abusivas, que não são ilegais, mas que resultam em distorções. Ou seja, é preciso tampar as brechas fiscais.
“Dessas medidas que foram tomadas agora, eu não tenho nenhuma restrição. Eu acho que são medidas que não comprometem a eficácia e a natureza dos juros sobre capital próprio e fecha brechas fiscais”, declarou Everardo Maciel, ex-secretário da Receita. “Criou-se restrições para que a empresa faça um efetivo investimento na companhia. Essas medidas não são ruins. Fecham brechas, mas a repercussão tributária disso não vai ter muita relevância”, completou.
Leonardo Roesler, advogado tributarista e sócio da RMS Advogados, disse que a base de cálculo do JCP só será contabilizada se o capital efetivamente for aplicado na empresa.
“As empresas devem, portanto, reavaliar suas estratégias financeiras e tributárias para se adequar a estas novas normativas. É essencial que as práticas de distribuição de recursos aos acionistas se alinhem estritamente com os preceitos legais atualizados, evitando assim riscos fiscais e possíveis penalidades”, disse.
Segundo ele, manobras contábeis eram legalmente viáveis e resultava em um benefício fiscal significativo.
POSSÍVEL FIM DO JCP
Everardo Maciel declarou que a tentativa do governo de acabar com o JCP era “totalmente fora de propósito”. Segundo ele, o governo perderia arrecadação.
“No momento que estabelecesse a extinção do JCP, [o governo] perdeu a receita de fonte que hoje existe”, disse. “Toda vez que a pessoa faz distribuição de juros sobre capital próprio, quem distribui faz uma retenção de 15% e recolhe. Vai sumir se tirar os juros”, completou.
O ex-secretário da Receita afirmou que o contribuinte faria empréstimo para compensar o fim do JCP. “Quando eu tomar dinheiro emprestado, porque eu vou deduzir os juros, vou piorar o meu perfil de endividamento, mas vou pagar menos imposto. Ou seja, é um tiro no pé”, disse.
Além da perda de arrecadação, o número elevado de empréstimos das companhias pressionaria o mercado de crédito do Brasil, prejudicando o acesso de empresas pequenas a financiamentos.