Por Camila Moreira
SÃO PAULO (Reuters) - As incertezas em torno da eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos e a consequente forte valorização do dólar ante o real nos últimos dias acendeu um sinal de alerta para o Banco Central que pode deixá-lo ainda mais cauteloso na condução da política monetária.
"Entendemos que existe o risco da incerteza, e isso aumenta a probabilidade de o BC ser mais conservador. Vai depender da consolidação desse cenário e a questão externa prevalece", avaliou o economista-sênior do banco de investimento Haitong, Flávio Serrano.
O BC iniciou no mês passado novo ciclo de afrouxamento monetário, ao reduzir a taxa básica de juros em 0,25 ponto percentual, a 14 por cento ao ano. E havia indicado que novas quedas e maior intensidade dependeriam do comportamento, sobretudo, da inflação de serviços e do ajuste fiscal brasileiro.
Mas a imprevisibilidade e posições mais radicais de Trump podem entrar neste cenário, já que vêm deixando os mercados financeiros temerosos e têm potencial de deixar o BC ainda mais cauteloso, podendo evitar que coloque o pé do acelerador em suas decisões sobre a taxa básica de juros.
Para os especialistas consultados pela Reuters, o BC pode optar na reunião do final deste mês, a última do ano, em manter o ritmo de corte de 0,25 ponto percentual e reduzir a Selic para 13,75 por cento. No mercado de juros futuros, essa já era a aposta.
"Se o dólar não cair, o BC pode nas próximas semanas dar indicação de que vai manter o gradualismo (nos cortes dos juros). Isso muda toda a curva e o cenário para o ano que vem", afirmou o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini
A vitória de Trump trouxe muitas incertezas nos mercados financeiros globais, fazendo o dólar saltar mais de 6 por cento sobre o real nas duas sessões passadas; nesta, já encostou em 3,50 reais, com potencial inflacionário.
Agostini ainda mantém a expectativa de corte de 0,50 ponto da Selic em 30 de novembro e manutenção dessa magnitude em 2017 até que a taxa chegue a 10,5 por cento. "Mas se o BC for mais gradualista, a projeção para o ano que vem muda para mais próximo de 11,5 por cento", completou.
No início desta tarde, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, reforçou que a convergência da inflação para a meta em 2017 e 2018 é compatível com flexibilização "moderada e gradual" das condições monetárias e que avaliará o ritmo e magnitude da flexibilização ao longo do tempo. [nL1N1DC0XW]
A postura agora dos analistas será a de aguardar mais um pouco antes de rever suas contas para avaliar se a alta recente do dólar se configura em novo patamar ante o real. Se esse cenário for confirmado, a inflação ganha novo fôlego.
"Se o movimento (do dólar) for mantido, poderia gerar alguma pressão adicional no final do ano (sobre a inflação), especialmente em alimentos", destacou o analista de inflação da consultoria Tendências, Marcio Milan.
Nas contas de Serrano, do Haitong, se o dólar se consolidar em 3,40 reais até o final do ano, o impacto no IPCA ao longo de 12 meses será de 0,3 ponto percentual.
"Mas se o mercado der uma acalmada, o BC deve cortar a Selic em 0,5 ponto", ponderou ele, mantendo sua estimativa de que a taxa fechará este ano a 13,50 por cento, indo a 11,25 por cento em 2017.
Pesquisa Focus do BC, que ouve semanalmente uma centena de economistas, mostrou que as previsões ainda eram de que a autoridade monetária cortará a Selic em 0,5 ponto em novembro, mas o Top 5 --grupo que mais acerta as previões-- passou a ver redução de apenas 0,25 ponto. O levantamento foi feito antes da eleição de Trump e, portanto, do recente salto do dólar frente ao real.[nL1N1D80DH]