Por Natalia Scalzaretto
SÃO PAULO (Reuters) -
O Brasil tem observado nos últimos anos um crescimento no número de startups de tecnologia, mas embora o segmento apresente mais força para avançar que anos anteriores, os obstáculos para investidores e empreendedores seguem consideráveis, segundo empresários do setor.
A evolução do mercado é impulsionada pelo desenvolvimento de tecnologias como a computação em nuvem, que barateou custos e ampliou a capacidade de processamento e armazenamento de dados dessas empresas. O mercado nacional também se beneficiou do aumento global de investimentos em tecnologia provenientes de investidores de risco após a crise financeira de 2008.
"A partir da crise de 2008, tivemos uma expansão dos investimentos no setor de tecnologia em geral. (...) Aqui no Brasil a gente sente isso pelo crescimento expressivo no número de aceleradoras, fundos de investimentos e valores investidos”, disse Jorge Vargas Neto, presidente-executivo da fintech Biva.
Segundo dados da Associação Brasileira de Startups (ABStartups), que representa as companhias do setor, em 2012, a entidade reunia 2.519 startups de todo o país. Em 2016, esse número saltou para 4.273 empresas.
Só no Estado de São Paulo, a agência de fomento de investimentos em pequenas e médias empresas, a Desenvolve SP, que investe em fundos de participação desde 2011, registra aportes de 262,9 milhões de reais em 42 empresas de tecnologia, por meio de cinco fundos geridos em parceria com outras instituições.
"Esses fundos veem uma janela de oportunidade num mercado consumidor muito grande, com um talento ainda inexplorado", disse Eduardo Lins Henrique, cofundador e vice-presidente sênior de desenvolvimento de negócios da Movile, empresa criadora do serviço de entrega de comida iFood e que atua no segmento de startups há cerca de 20 anos.
A retomada da economia prevista para 2018 pode trazer perspectivas melhores para o setor, tanto pelo esperado aumento no poder aquisitivo dos consumidores brasileiros, quanto por fatores macroeconômicos que incluem a inflação controlada e juros em baixa.
"O investidor brasileiro está acostumado a instrumentos de renda fixa. Com um cenário de retração da Selic, esses investidores vão buscar alternativas mais rentáveis, então ganha força o mercado de capitais", disse Vargas Neto.
Mas o país ainda precisa trabalhar para que o segmento se desenvolva mais, como ocorre em outros países.
"O mercado de startups do Brasil é infinitamente mais maduro e promissor do que era quando a gente começou (nos anos 1990). Nós temos muito mais investidores olhando para o mercado, fundos nacionais e internacionais investindo, temos muito mais anjos custeando e fazendo investimentos, temos mais histórias de sucesso, mais incubadoras. É suficiente? Não", disse Eduardo, da Movile.
Para os empresários, é fundamental fomentar a mentalidade empreendedora no país, seja por meio do ensino em faculdades, ou do exemplo de casos de sucesso. A falta de exemplos nacionais de startups com alta valorização de mercado, os chamados “unicórnios”, também é considerado um fator que desestimula empreendedores e investidores em empresas de tecnologia do país.
"É bem importante a gente ter um caso de unicórnio com retorno sobre o investimento para validar essa tese de que vale a pena investir em startups no Brasil", disse Vargas Neto, da Biva.
IMPOSTOS E CRIATIVIDADE
Um dos problemas que desestimulam diretamente o investimento em empresas de tecnologia do país é a carga tributária, que cresceu neste ano depois que a Receita Federal editou medida para cobrar de investidores-anjo 15 a 22,5 por cento de imposto sobre o rendimento gerado por recursos aportados em startups.
"O governo precisa entender melhor isso (startups). Quando eu vi que o governo aumentou impostos para investidores-anjo eu falei 'meu Deus do céu'. O governo precisa atrair e não espantar esse tipo de gente. O nosso país precisa ter mais credibilidade como um todo", disse o cofundador da Movile.
"A parte de impostos é uma completa loucura. O sistema tributário é extremamente complicado e a carga tributária é insana. A burocracia de trazer e tirar dinheiro (do país) é super complicada", acrescentou.
Para sobreviver a esse ambiente hostil à inovação, algumas startups aprenderam a se adaptar às dificuldades do mercado nacional e encontraram no exterior canal para seu crescimento.
A Magnamed, startup criada em 2005, desenvolveu o ventilador hospitalar portátil Oxymag, que pode ser usado em bebês, crianças ou adultos e viu na exportação saída para a demora de dois anos para receber a aprovação regulatória para seu produto no Brasil.
"A gente nasceu exportando o produto. Só depois, em meados de 2011, a gente conseguiu o registro do produto na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)", disse um dos sócios fundadores da Magnamed, Wataru Ueda.
A partir disso, a companhia passou a considerar o tempo para a aprovação regulatória, normalmente mais longo na área de saúde, como parte do processo de desenvolvimento de seus produtos. "A gente já está acostumado e isso faz parte do nosso cronograma de desenvolvimento de produtos. Já não enxergamos mais como um entrave", disse Ueda.
Segundo ele, a Magnamed aproveitou o fôlego obtido com cerca de 20 milhões de reais em financiamentos levantados nos últimos anos junto a diversas fontes - desde instituições voltadas à pesquisa, como Fapesp e CNPq, até fundos de capital de risco, como Criatec, apoiado por BNDES; e Vox Capital. Atualmente, a empresa exporta para mais de 50 países e deve gerar lucro pela primeira vez ano que vem.
(Por Natália Scalzaretto)