Por Lucila Sigal
BUENOS AIRES (Reuters) - Ada, uma argentina de 83 anos, gravemente anêmica, esperou seis meses para conseguir uma consulta para operar um entupimento cardíaco devido à falta de suprimentos e a uma rede de burocracia que poderia ter custado sua vida.
Casos como o de Ada estão se tornando mais comuns em meio a cortes profundos nos gastos pelo governo do presidente Javier Milei, que assumiu o cargo em dezembro prometendo solucionar uma grave crise econômica na Argentina, que atualmente enfrenta uma inflação anual de 209%.
Os cardiologistas dizem que há uma "tempestade perfeita" de suprimentos cada vez menores, médicos que abandonam a profissão e custos crescentes de saúde que colocam em risco a área da medicina que lida com a principal causa de morte na Argentina.
A demanda por atendimento médico em hospitais públicos aumentou nos últimos meses, acompanhando o crescimento da pobreza, saturando as salas de espera, enquanto o orçamento está sendo cortado e os hospitais estão enfrentando custos mais altos devido aos aumentos dos serviços públicos.
Atualmente, mais da metade dos argentinos vive abaixo da linha da pobreza.
O Ministério da Saúde da Argentina não respondeu a um pedido de comentário.
LONGA ESPERA
Ada teve sorte em ser tratada. Seus filhos e o médico de um hospital público a ajudaram a acelerar o processo, que começou em abril, e ela conseguiu ser operada em outubro. Mas agora ela está enfrentando atrasos de mais de três meses nos exames de controle, que deveriam ser feitos mensalmente.
"Foram meses difíceis", disse Bibiana Brnjac, filha de Ada, à Reuters, enquanto sua mãe se recuperava da cirurgia.
"Ainda estamos passando por momentos difíceis porque tudo leva tempo e acho que não temos tempo quando se trata de nossos corações, especialmente os adultos mais velhos que precisam de tratamento agora."
Em agosto passado, um grupo de cardiologistas entrou em uma greve de 48 horas, recusando-se a colocar stents ou realizar angioplastias para protestar contra os baixos salários e a falta de suprimentos, atendendo apenas casos de emergência.
Enrique Stazzone, cardiologista do Hospital de Clínicas, um hospital universitário que atende mais de 1.000 pacientes por dia, disse que a demanda está aumentando e o hospital está lutando para manter o padrão de atendimento.
"Você tenta manter a qualidade do atendimento", disse Stazzone, acrescentando que, às vezes, isso "não pode ser traduzido em realidade porque o paciente não pode pagar".
Pablo Stutzbach, presidente eleito da Sociedade Argentina de Cardiologia (SAC), disse que a falta de investimento em saúde e os baixos salários estão causando um êxodo de médicos maior do que o que ocorreu após a crise econômica de 2001.
"Muitos médicos bem treinados foram embora, e agora os médicos não estão dispostos a sacrificar 10 ou 12 anos sem um plano de vida ou a chance de progredir financeiramente", disse Stutzbach.
Um estudo da SAC mostrou que os cardiologistas na Argentina estão sofrendo de uma taxa de esgotamento de quase 80%, em comparação com 30% nos Estados Unidos.
"Não sabemos quanto tempo mais podemos durar", disse Stazzone. "É uma pergunta difícil, porque o outro lado da questão é que, se não o fizermos, isso significará a vida das pessoas."