Por Nicolás Misculin
BUENOS AIRES (Reuters) - O governo da Argentina vai expulsar da agência de inteligência estatal os espiões em quem não confia mais, como parte de uma reestruturação mais ampla do órgão de segurança, disseram fontes familiares com os pensamentos da presidente Cristina Kirchner.
A medida ocorre após os parlamentares argentinos aprovarem uma lei na quinta-feira que desmembra a antiga Secretaria de Inteligência (SI), que teve algumas de suas partes descritas por Cristina como sendo obscuras e fora de controle, e estabelece uma nova agência.
A SI está no centro de uma tempestade política que já dura seis semanas, provocada pela morte do promotor público Alberto Nisman, que havia acusado a presidente de tentar acobertar um suposto envolvimento do Irã em um ataque à bomba de 1994 contra um centro comunitário judaico, em Buenos Aires.
Cristina e seus ministros dizem que agentes escusos ludibriaram Nisman a fabricar denúncias infundadas contra a presidente com o intuito de desestabilizar seu governo, e depois precisaram vê-lo morto. Cristina classificou as acusações de Nisman como "absurdas" e na quinta-feira um juiz rejeitou o caso.
"Muitas pessoas serão demitidas. Vai haver uma reavaliação séria", disse uma autoridade de alto escalão, que falou sob a condição de anonimato devido à sensibilidade do assunto.
"A ideia é se livrar daqueles em quem o Estado não pode confiar ou que trabalham também para outras agências", disse a fonte, referindo-se à Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e à israelense Mossad.
A lei aprovada na quinta inclui uma cláusula que diz que "todo o pessoal e propriedade" será transferido da SI para a nova Agência Federal de Inteligência (AFI).
Mas especialistas em legislação descreveram os termos da lei como vagos e autoridades próximas à presidente disseram que os agentes podem ser "aposentados" durante uma janela de 90 dias durante a qual a lei prevê a criação da AFI.
Um expurgo deve provavelmente levantar dúvidas sobre o porquê de Cristina Kirchner querer assegurar que indivíduos leais a ela estejam no controle da agência, levando em consideração que ela possui apenas 10 meses restantes de mandato.
"Não vamos dizer que haverá um expurgo, é uma palavra feia. Vamos dizer que alguns serão aposentados", disse uma segunda fonte do governo familiar com o assunto.
PASSADO SUJO
A agência de inteligência argentina teve um importante papel durante uma "guerra suja" conduzida pela ditadura militar (1976-1983) contra rebeldes marxistas, sindicatos e estudantes.
Desde o restabelecimento da democracia, acredita-se amplamente que sucessivos governos continuaram a se utilizar da agência para espionar opositores.
Um expurgo não seria uma medida sem riscos. O serviço de inteligência já gozou de significativo poder e autonomia no passado e acredita-se que tenha grampeado políticos, jornalistas e juízes.
Mas o chefe de gabinete do governo, Aníbal Fernandez, rejeitou sugestões de que possam existir agentes mal intencionados com a posse de informações sensíveis.
"Isso é algo que não nos preocupa", disse ele a repórteres.
Nisman foi encontrado morto com um tiro na cabeça e uma pistola ao seu lado em 18 de janeiro, um dia antes da data marcada para que detalhasse as evidências por trás de suas acusações contra Cristina Kirchner.
(Reportagem adicional de Ricardo Mangano)