Por Philip Pullella
ROMA (Reuters) - O papa Pio XII, em tempos de guerra, sabia detalhes sobre a tentativa nazista de exterminar os judeus no Holocausto já em 1942, de acordo com uma carta encontrada nos arquivos do Vaticano que entra em conflito com a posição oficial da Santa Sé na época, de que as informações que tinha eram vagas e não verificadas.
A carta amarelada e datilografada, reproduzida no Corriere della Sera da Itália no domingo, é altamente significativa porque foi descoberta por um arquivista interno do Vaticano e tornada pública com o incentivo de autoridades da Santa Sé.
A carta, datada de 14 de dezembro de 1942, foi escrita pelo padre Lother Koenig, um jesuíta que fazia parte da resistência antinazista na Alemanha, e endereçada ao secretário pessoal do papa no Vaticano, padre Robert Leiber, também alemão.
O arquivista do Vaticano, Giovanni Coco, disse ao Corriere que a importância da carta era "enorme, um caso único", pois mostrava que o Vaticano tinha informações de que os campos de trabalho eram, na verdade, fábricas de morte.
Na carta, Koenig diz a Leiber que fontes confirmaram que cerca de 6.000 poloneses e judeus eram mortos por dia em "fornos da SS" no campo de Belzec, perto de Rava-Ruska, que na época fazia parte da Polônia ocupada pelos alemães e hoje fica no oeste da Ucrânia.
"A novidade e a importância desse documento derivam de um fato: agora temos a certeza de que a Igreja Católica na Alemanha enviou a Pio XII notícias exatas e detalhadas sobre os crimes que estavam sendo perpetrados contra os judeus", disse Coco ao jornal, cujo artigo foi intitulado: "Pio XII sabia".
Perguntado pelo entrevistador do Corriere se a carta mostrava que Pio sabia, Coco disse: "Sim, e não apenas desde então."
DOCUMENTOS CLASSIFICADOS DE FORMA ALEATÓRIA
A carta fazia referência a dois outros campos nazistas - Auschwitz e Dachau - e sugeria que havia outras missivas entre Koenig e Leiber que desapareceram ou ainda não foram encontradas.
Os defensores de Pio dizem que ele trabalhou nos bastidores para ajudar os judeus e não se manifestou para evitar a piora da situação dos católicos na Europa ocupada pelos nazistas. Seus detratores dizem que ele não teve coragem de se manifestar sobre as informações que tinha, apesar dos apelos das potências aliadas que lutavam contra a Alemanha.
A carta estava entre os documentos que Coco disse terem sido mantidos de forma aleatória na Secretaria de Estado do Vaticano e que só recentemente foram entregues aos arquivos centrais onde ele trabalha.
Suzanne Brown-Fleming, diretora de Programas Acadêmicos Internacionais do Museu Memorial do Holocausto dos EUA em Washington DC, disse à Reuters em um e-mail que a divulgação mostrou que o Vaticano estava levando a sério a declaração do Papa Francisco de que "a Igreja não tem medo da história" quando ordenou que os arquivos do tempo de guerra fossem abertos em 2019.
"Há um desejo e um apoio para uma avaliação cuidadosa dos documentos a partir de uma perspectiva científica - seja favorável ou desfavorável no que os documentos revelam", disse ela.
Em um e-mail para a Reuters, David Kertzer, autor ganhador do Prêmio Pulitzer de "O Papa em Guerra", um livro de 2022 sobre os anos de Pio, disse que Coco era um "estudioso sério e de primeira linha", em posição central no Vaticano para descobrir a verdade.
Brown-Fleming, Coco e Kertzer participarão de uma grande conferência sobre Pio e o Holocausto no próximo mês na Pontifícia Universidade Gregoriana, patrocinada por organizações católicas e judaicas, pelo Departamento de Estado dos EUA e por grupos de pesquisa israelenses e americanos sobre o Holocausto, entre outros.
(Reportagem de Philip Pullella, reportagem adicional de Ludwig Burger em Frankfurt; edição de Alex Richardson)