Por Jeferson Ribeiro e Maria Carolina Marcello
BRASÍLIA (Reuters) - Com pouca margem de manobra em uma disputa inédita entre PT e PMDB pela presidência da Câmara dos Deputados, o governo precisa se preparar para enfrentar as consequências que o resultado da eleição trará para a relação entre os dois partidos aliados e do Executivo com o Congresso.
Indepedentemente do vencedor da disputa --o favorito Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o petista Arlindo Chinaglia (SP) ou Júlio Delgado (PSB-MG), que corre por fora com o apoio do PSDB--, já existe uma certeza: as relações entre PT e PMDB no Congresso e entre o governo e a Câmara vão se deteriorar.
A disputa para a presidência da Câmara entre partidos da base aliada não é uma novidade, mas desde 2007 não era uma preocupação para o governo, depois que PT e PMDB, as duas maiores bancadas da Casa, fecharam um pacto para se revezar na presidência. Agora, porém, o PMDB não vê vantagens na renovação.
"A campanha é como CPI, você sabe como começa, mas não sabe como termina", disse à Reuters o deputado Vicente Cândido (PT-SP), um dos coordenadores da campanha de Chinaglia.
"É difícil você segurar o ímpeto de militantes do governo, porque há chefes de partido que são cobrados. E é difícil controlar. Então, vai ter reclamação de um lado e de outro. Nós vamos ter que administrar isso com muita serenidade não só daqui até o dia 1o de fevereiro (data da eleição), mas depois também você (terá que) curar as feridas", previu Cândido.
O governo torce pela vitória do candidato do PT, mas não deve usar nomeações do segundo escalão, disseram fontes, e nem mesmo fazer uma pressão explícita sobre os aliados por Chinaglia.
Há dois motivos para isso. Primeiro, usar essa tática irritaria o PMDB a ponto de estremecer ainda mais a relação com o maior partido aliado. Segundo, porque o carimbo de candidato governista prejudica mais do que ajuda o desempenho do petista.
O PT lançou a candidatura de Chinaglia meses depois de Cunha já ter feito inúmeros acordos com legendas aliadas e consolidado sua candidatura.
"Enquanto eles (Chinaglia e Delgado) estão na volta de apresentação, nós já estamos na décima volta da corrida. Isso faz diferença", disse à Reuters uma fonte próxima a Cunha, sob condição de anonimato.
VITÓRIA DO PETISTA
A vitória de Chinaglia seria muito melhor para o governo, mas mesmo nessa hipótese fontes da área política do Palácio do Planalto acreditam que ele não poderia agir como um presidente notoriamente governista. Teria que contrapor o Executivo pelo menos no começo de sua gestão para demarcar território.
E Cândido lembra que Chinaglia tem "uma certa inflexibilidade para negociar".
Apesar de ter dito ao PMDB que não vai interceder a favor do candidato petista, o governo é alvo da desconfiança dos peemedebistas e de Cunha.
Na semana passada, o candidato do PMDB foi acusado de ter recebido em 2010 dinheiro para a campanha eleitoral do doleiro Alberto Youssef, preso na operação Lava Jato, da Polícia Federal, que investiga um suposto esquema de corrupção na Petrobras. A defesa de Youssef negou dias depois que o doleiro tivesse dito isso em depoimento a PF.
Cunha, que também negou veementemente a denúncia, interpretou-a como uma operação do PT para tentar prejudicá-lo na disputa pela Câmara.
VITÓRIA DE CUNHA
Nos encontros que tem mantido com deputados pelo país, Cunha vem dizendo que "Dilma ganhou o governo, mas não tem hegemonia política no Congresso", relatou a fonte próxima ao deputado. "No Congresso, quem manda é o PMDB", costuma dizer.
Nesses encontros também vem se desenhando parte de sua plataforma que pode desaguar em complicações para o combalido caixa do governo federal. Segundo essa fonte, apesar de considerar necessário o equilíbrio fiscal, Cunha tem prometido a prefeitos e governadores que tentará solucionar as dificuldades deles para financiar a saúde e a segurança pública, sem se comprometer com a alta de impostos.
Sem novas receitas, o caminho para repassar mais recursos para Estados e municípios seria acessar as atuais receitas do governo federal, colocando em risco o ajuste fiscal prometido por Dilma.
Essa fonte próxima a Cunha disse que o PMDB, cuja cúpula já chegou a trabalhar contra sua candidatura, mas hoje o apoia formalmente, o vê como um "dobermann".
"O partido pode usá-lo para atacar o governo quando se sentir maltratado e segurar a corrente quando tudo estiver bem", comparou.
Uma outro peemedebista disse à Reuters, sob condição de anonimato, que a eleição de Cunha deixará as relações com o Congresso mais tensas pelo perfil do parlamentar fluminense.
"Ele vai querer afirmar seu poder, para mostrar independência do governo. Ele é o tipo de político que gosta de negociar com tensão para conseguir o melhor acordo a seu favor", analisou.
O episódio da denúncia envolvendo o nome do doleiro Youssef piorou as coisas. A primeira reação de Cunha já demonstra como o clima tende a ser belicoso com o governo e com o PT nos próximos anos, caso ele seja eleito. O peemedebista disse que a bancada apoiaria de forma maciça a abertura de uma nova CPI para investigar a Petrobras.
"Essa coisa da denúncia mexeu demais com ele e afastou a possibilidade de uma composição mais tranquila caso ele seja eleito", disse a fonte próxima a Cunha. "Nessa nova CPI da Petrobras, o alvo vai ser o PT."
PSB E UM SEGUNDO TURNO
Já o candidato do PSB, deputado Júlio Delgado (MG), que tem apoio formal do PSDB, possui poucas chances de vitória, mas pode ser decisivo para os dois candidatos numa disputa de segundo turno. Entre petistas e peemedebistas, porém, há especulações de que ele pode abandonar a candidatura.
Já o líder da bancada do PSB, deputado Beto Albuquerque (RS), avalia que se houver novas denúncias da Lava Jato, que atinjam diretamente Cunha ou o PT, Delgado pode surpreender.
Sem falar em "plano B", Albuquerque disse à Reuters que "provavelmente o PSB apoiaria Cunha" num eventual segundo turno sem o candidato socialista.