Por Geoffrey Smith
Investing.com -- A Rússia está à beira de invadir um vizinho europeu pela terceira vez em 14 anos. Mas ao contrário das duas últimas vezes, esta pode ter um impacto econômico real. Em agosto de 2008, a invasão da Geórgia pela Rússia não teve praticamente nenhum impacto para a economia global. Os preços do petróleo estavam colapsando com rapidez, mas o mundo estava muito mais preocupado com o colapso do sistema financeiro dos EUA.
Em fevereiro de 2014, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, anexando a península da Crimeia e estabelecendo dois estados fantoches no leste do país, o Ocidente se preocupou o suficiente para impor algumas sanções, mas nem de longe o bastante para aumentar a pressão.
Naquela ocasião, como agora, os riscos de se aplicar uma punição adequada à agressão mais clara na Europa desde a 2ª Guerra Mundial eram graves o suficiente para inibir uma resposta convincente. As ameaças de cortar os bancos russos do sistema internacional de pagamentos SWIFT foram rapidamente descartadas quando os EUA perceberam que isso poderia acelerar o fim do predomínio do dólar nos mercados financeiros globais. Além disso, não passava na cabeça de uma União Europeia ainda enfrentando as consequências de uma crise da dívida soberana punir a classe governante russa vendendo-lhe menos bebidas alcoólicas, carros e artigos de luxo.
A vulnerabilidade econômica da Europa está novamente no centro do problema hoje. Só que, desta vez, é mais grave: a menos que o continente consiga recorrer rapidamente a fornecimentos extras de gás natural russo, a imposição de racionamento até o fim do inverno é quase certa. Como o abastecimento das famílias será priorizado em tais circunstâncias, os usuários industriais de energia que serão forçados a suspender as atividades - como foram, com efeito, pelo aumento de quatro vezes dos preços do mercado à vista no ano passado, quando a crise atual começou a se desdobrar.
Tudo isto só é possível porque as instalações de armazenamento de gás da Europa estão no seu menor nível histórico para esta época do inverno do hemisfério norte, com apenas 46,8% de capacidade, segundo dados da Gas Infrastructure Europe, uma entidade de classe. Normalmente, o consumo sazonal normal demora até meados ou final de fevereiro para atingir esse nível.
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A Rússia está retendo o máximo de gás possível dos seus clientes europeus até que a Alemanha dê a sua aprovação final ao gasoduto Nord Stream 2. Essa nova ligação que poderia liberar, rápida e facilmente, o aperto nos mercados europeus de gás, que catapultou os futuros de curto prazo mais de quatro vezes mais no ano passado.
No entanto, o novo governo da Alemanha - e especialmente a sua Ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock - está menos presa à indústria alemã do que qualquer outro ministro anterior do governo Angela Merkel. E embora a própria Baerbock tenha dito numa coletiva de imprensa que o gás russo será necessário durante anos enquanto a Alemanha realiza a transição para uma matriz energética mais limpa, muitos dos seus colegas do Partido Verde não querem que o gasoduto seja comissionado. Para eles, os preços de energia mais altos são uma ferramenta valiosa para forçar os compradores de combustíveis fósseis a carregarem os custos das mudanças climáticas que, até agora, foram custeados pelas seguradoras e pelos contribuintes.
Após o impacto sobre a produção industrial, haverá uma rodada de efeitos secundários, tanto nas despesas dos consumidores como nos balanços corporativos. Governos de toda a Europa já estão se assustando com o enorme aumento das contas de luz das famílias, que estão na linha da frente. Durante o fim de semana, o presidente francês ordenou à Électricité de France que vendesse uma maior parcela da sua energia com um desconto considerável. As ações da EDF (PA:EDF) caíram mais de 23%, a sua maior queda em um único dia da história. No Reino Unido, a suspensão de um teto de preços para a energia em abril ameaça acabar com o apoio popular existente para o governo de Boris Johnson entre os eleitores de renda mais baixa que o colocaram no poder.
Na Itália, que importa quase toda a sua energia fóssil, o governo de Mario Draghi já gastou cerca de € 8 bilhões em subsídios aos custos de energia das famílias desde julho, e planeja agora impôr impostos mais elevados às empresas de energia. O déficit orçamentário do país ainda pode aumentar mais € 30 bilhões com as tentativas do país de suavizar os impactos, segundo Matteo Salvini, líder do Lega, partido de direita.
O governo socialista da Espanha também está planejando reposições dos setores de energia e serviços públicos, mas o risco em toda a zona do euro é que uma desaceleração do crescimento e um aumento acentuado dos subsídios de energia abram um novo rombo nas finanças públicas. Um ano atrás, ninguém teria se preocupado com isso, porque o Banco Central Europeu estava disposto a comprar toda a dívida líquida emitida pelos estados da zona do euro. Mas hoje, com a inflação a uma máxima histórica de mais de 5%, essa possibilidade parece mais incerta.
O BCE afirmou que provavelmente começará a reduzir as suas compras de títulos a partir de abril e que aumentos das taxas de juro não devem ser necessários este ano. Mas os mercados de títulos já estão apostando que - assim como o Federal Reserve - o BCE será forçado a apertar a política monetária com maior rapidez do que espera, a fim de controlar a inflação.
Isso prepara o cenário para um debate barulhento em Frankfurt durante os próximos meses, que originará ondas de choque através dos mercados de títulos, crédito e ações. Todos aqueles que, assim como o Dr. Fantástico, aprenderam a parar de se preocupar nos últimos dois anos – tal como o próprio grande cientista – podem vir a descobrir que estavam enganados em fazê-lo.