Por José Roberto Gomes
SÃO PAULO (Reuters) - A safra de café do Brasil no próximo ano deve apresentar problemas de qualidade após diversas floradas nos últimos meses, o que sinaliza grãos sem uniformidade no momento da colheita, com frutos maduros e verdes, disse à Reuters o presidente da Cooxupé, cooperativa que sozinha já recebeu neste ano mais de 10 por cento da produção do país.
Isso poderia adicionar pressão a um ciclo que já será de menor produção, dada a bienalidade negativa do arábica, principal variedade de café cultivada no país. Em 2018, o Brasil colheu um recorde de quase 60 milhões de sacas, conforme dados do governo, que por ora não tem estimativas para o ciclo seguinte.
Chuvas regulares e em bons volumes têm evitado qualquer estresse hídrico nos cafezais do país, o maior produtor e exportador global da commodity. Se por um lado impedem perdas de safra, por outro tais precipitações vêm estimulando a ocorrência de mais floradas, o que resulta em grãos em diversos estágios de desenvolvimento.
"Isso vai afetar a qualidade. No ano que vem, se começar a colher cedo, vai ter café maduro e café verde. Se começar mais para frente, vai ter café maduro e café no chão", afirmou Carlos Paulino em entrevista por telefone.
"O produtor não vai esperar, porque precisa de dinheiro, então vai começar a colher e vai ter café bom e café verde, que é mais depreciado", acrescentou o presidente da Cooxupé, profundo conhecedor do setor, tendo dedicado boa parte de sua vida à cooperativa, que faturou 3,7 bilhões de reais em 2017.
O café verde resulta em grãos menos valorizados em termos de aspecto, tipo e bebida. De outro lado, a obtenção da máxima qualidade está diretamente relacionada à quantidade de frutos maduros nos lotes, que assim acabam sendo mais valorizados.
A maioria dos produtores do Brasil, por questão de custos com mão de obra, não tem como fazer colheita seletiva, ainda mais com o avanço da mecanização do processo nos cafezais.
Paulino disse ainda que as várias floradas também dificultam estimativas de safra neste momento --a colheita do arábica, variedade cultivada na área da Cooxupé-- só começa no segundo trimestre.
"Há a percepção de que alguma coisa vai acontecer", disse o presidente da Cooxupé, acrescentando que até agora a maior cooperativa de café do mundo ainda não conseguiu traçar projeções para 2019.
"O pessoal está muito perdido."
O cenário de agora é o inverso daquele visto há um ano. O próprio presidente da cooperativa chegou a dizer que a falta de chuvas entre setembro e outubro de 2017 prejudicou as floradas, com abortamento e desfolha dos cafezais. A produção em 2018, contudo, acabou sendo recorde.
Conforme Paulino, até o momento os cafeicultores da cooperativa têm realizado os tratos culturais adequadamente, com vendas de fertilizantes e defensivos dentro da normalidade, apesar de um ano marcado por baixos preços do café no mercado internacional.
"O preço foi menor, mas a safra foi maior, então o total de dinheiro que ele obteve não ficou muito diferente do que esperava", comentou.
Paulino também disse ver com bons olhos o governo de Jair Bolsonaro (PSL), que assume em 1º de janeiro, incluindo as indicações do presidente eleito para os ministérios, sobretudo o da Agricultura. A pasta será ocupada pela deputada Tereza Cristina (DEM-MS), atual presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
BALANÇO
Com sede em Guaxupé (MG) e área de atuação envolvendo sul de Minas Gerais, Cerrado Mineiro e Média Mogiana, em São Paulo, a Cooxupé deve fechar 2018 com recebimento recorde de café.
Até agora já foram entregues à cooperativa 6,3 milhões de sacas, "mas vamos chegar aos 6,4 milhões, tem ainda 30 dias", afirmou Paulino. Em 2017, o recebimento foi de 5,2 milhões de sacas, disse.
O aumento deve-se ao salto na produção e à "recuperação de cooperados", aqueles que, após um período sem entregar café, voltaram a fazê-lo graças a uma melhora financeira, explicou o presidente da Cooxupé. Só esse grupo foi responsável por destinar 400 mil sacas à Cooxupé neste ano.
Do lado das exportações, contudo, a Cooxupé espera encerrar 2018 aquém da meta. Os embarques devem totalizar algo entre 3,9 milhões e 4 milhões de sacas, em linha com o visto em 2017, mas abaixo dos 4,2 milhões previamente esperados.
"Não vamos atingir porque teve a greve dos caminhoneiros, que reduziu muito (as vendas). Depois até tinha condições de preparar esse café, mas não tem navio. Se tivesse mais embarcação, teria como recuperar aquele período parado. Lá em Santos (SP) está uma briga de foice para embarcar", disse, referindo-se ao porto por onde é exportada a maior parte do café brasileiro.
O setor tem lidado com uma falta de espaço em navios para exportar o café, conforme operadores e companhias marítimas, uma vez que o ritmo de importações do país reduz a disponibilidade de contêineres na exportação.