Por John Shiffman e Reade Levinson
PORTLAND, Estados Unidos (Reuters) - No dia 20 de julho, um navio cargueiro com bandeira de Hong Kong partiu de Charleston, Carolina do Norte, com milhares de contêineres. Um deles levava um produto lucrativo: partes de corpos de dezenas de cadáveres norte-americanos.
De acordo com o manifesto, o carregamento destinado à Europa incluía cerca de 2.700 quilos de restos mortais avaliados em 67.204 dólares. Para impedir que a mercadoria estragasse, a temperatura do contêiner foi mantida em 15 graus Celsius negativos.
Os membros eram de uma empresa de Portland chamada MedCure Inc., uma assim chamada negociante de corpos que lucra dissecando os cadáveres de doadores altruístas e enviando as partes para empresas de treinamento médico e de pesquisa.
A MedCure vende ou aluga cerca de 10 mil partes de corpos de doadores dos Estados Unidos anualmente, despachando cerca de 20 por cento delas para o exterior, mostram registros corporativos internos e manifestos. Além dos carregamentos a granel para a Holanda, onde a MedCure opera um centro de distribuição, a companhia do Oregon já exportou seus produtos para ao menos 22 outros países por avião ou caminhão, segundo os registros.
Algumas das partes foram uma pelve e pernas para uma universidade da Malásia, pés para empresas de dispositivos médicos do Brasil e da Turquia e cabeças para hospitais da Eslovênia e os Emirados Árabes Unidos.
A procura de partes de corpos dos EUA, como torsos, joelhos e cabeças, é alta em países onde tradições religiosas ou leis proíbem a dissecação dos mortos. Ao contrário de muitos países desenvolvidos, de forma geral os EUA não regulamentam a venda de partes de corpos doadas, o que permitiu que empreendedores como a MedCure ampliassem as exportações rapidamente na última década.
Nenhuma outra nação tem uma indústria que consegue disponibilizar um suprimento tão conveniente e confiável de partes de corpos.
A Reuters descobriu que, desde 2008, os negociantes de corpos exportaram suas peças para ao menos 45 países, entre eles Itália, Israel, México, China, Venezuela e Arábia Saudita. Corpos inteiros são estudados em escolas de medicina sediadas no Caribe. Cirurgiões plásticos alemães usam cabeças de cadávers norte-americanos para praticar novas técnicas.
Milhares de partes são enviadas por navio todo ano, mas o número preciso não pode ser calculado porque nenhuma agência monitora exportações industriais.
A maioria dos formulários de consentimento, inclusive da MedCure, autorizam os negociantes a dissecar corpos e enviar partes para todo o mundo.
(Reportagem adicional de Clare Baldwin em Hong Kong e Brian Grow em Atlanta)