SÃO PAULO (Reuters) - A carreira do ator e diretor Antonio Pitanga se confunde com a do cinema brasileiro – especialmente aquele dos anos de 1960. Nome fundamental do Cinema Novo, no qual trabalhou com todos os diretores de expressão, o intérprete tem uma trajetória em que as escolhas de papéis materializam uma posição política. Nesse sentido, o documentário “Pitanga”, de Beto Brant e Camila Pitanga, faz o resgate necessário de uma época e de uma figura essencial no presente um tanto obscuro do país.
“Pitanga” foi premiado pela crítica na Mostra de Cinema de São Paulo e pelo público no Festival de Tiradentes, o que prova sua abrangência de diálogo. Ao longo de suas quase duas horas, o filme busca (e encontra) uma conexão entre a vida e a obra do seu biografado, mas está longe de ser uma cinebiografia convencional. É um filme solar, cuja liberdade formal parece inspirada na sagacidade e bom humor de seu protagonista.
O filme é composto de revisitações e conversas que fazem o elo entre o passado e o presente. Pitanga vai à casa onde cresceu em Salvador, resgata sua infância, reencontra e almoça com a família que ainda mora na Bahia. Essa pequena introdução da vida pessoal logo cede espaço ao ator, que trabalhou com diretores como Glauber Rocha (“Barravento”, de 1960, “Câncer”, de 1972, “A Idade da Terra”, de 1980), Roberto Pires (“A Grande Feira”, de 1961), Cacá Diegues (“Ganga Zumba”, de 1963, “Joanna Francesa”, de 1973, “Quilombo”, de 1984), Ruy Guerra (“Os Fuzis”, de 1964), Rogério Sganzerla (“A Mulher de Todos”, de 1969), Joaquim Pedro de Andrade (“O Homem do Pau-Brasil”, de 1982), entre outros.
Alternando entre imagens de filmes nos quais Pitanga trabalhou e conversas no presente com pessoas ligadas a esses e outros trabalhos, o longa estabelece um diálogo entre trabalho e posição política que sempre pautou a carreira de Pitanga. Seus papéis, na maioria das vezes, de figuras contestadoras abriram um novo espaço aos negros na cultura brasileira, além da função afirmativa que exerceram fora da tela. A montagem, assinada por Brant e Juliana Munhoz, cria essa dinâmica entre o passado e a reverberação do presente, mediado pelos encontros afetivos de Pitanga com colegas de trabalho, como Diegues, Hugo Carvana, José Celso Martinez Correa, Ângela Leal, Tamara Taxman (com quem trabalhou na novela “A história de Ana Raio e Zé Trovão”, de 1990), e até Maria Bethânia, que namorou na juventude.
As conversas se dão num clima descontraído, mas nada saudosista. Em todas se destaca um grande afeto de Pitanga por amigos e antigas namoradas – como a atriz Zezé Motta, que recorda ter estado no meio de uma discussão com ele quando o ator viu pela primeira vez a atriz e modelo Vera Manhães, com quem se casou e teve dois filhos, Camila e Rocco Pitanga.
Pitanga, que diz preferir Martin Luther King a Malcolm X, por conta dos métodos de convencimento do primeiro, é um ator cujo engajamento está em seu trabalho, como o Cristo negro de “A Idade da Terra”, ou a estreia no teatro, na montagem brasileira de “A Morte de Bessie Smith”, dirigida por Luiz Carlos Maciel, nos anos de 1960, sobre a morte da cantora negra norte-americana, que em 1937 não recebeu socorro num hospital reservado apenas a brancos.
Como o filme é codirigido por Camila (que havia trabalhado com Brant em seu longa de ficção “Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios”), obviamente, há uma parcela de afeto familiar permeando todo o documentário – o que é algo muito bem-vindo, dada a estreita relação (bem mostrada no filme) mantida por Pitanga com os filhos e netas.
Num momento de crise política e moral, como esse que o país atravessa, “Pitanga” é uma saudável adição à resistência política por meio do cinema. Ao resgatar tempos de maior engajamento e enfrentamento, o filme de Camila e Brant, capturando a alegria de viver de Antonio Pitanga, é um elogio à contestação e à rebeldia.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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