SÃO PAULO (Reuters) - É preciso admitir que temos sorte de viver no mesmo planeta e época em que Isabelle Huppert atua. No futuro, altares serão – ou, ao menos, deveriam – ser erguidos em reverência a essa atriz. Não apenas pelo recente “Elle” – que lhe rendeu um Globo de Ouro e sua primeira indicação ao Oscar – mas qualquer filme, por menor que seja, no qual ela dê o ar de sua graça, seja no recente “Souvenir”, ou até no equivocado “O Vale (SA:VALE5) do Amor”- neste, aliás, ela é a única razão para se ver.
Feito originalmente para a televisão, “As Falsas Confidências” é uma espécie de experimento, dirigido por Luc Bondy (morto em 2015) e sua mulher Marie-Louise Bischofberger. O filme era rodado durante o dia, enquanto os atores – Isabelle, a veterana Bulle Ogier e Louis Garrel, entre outros – representavam a peça homônima de Marivaux, no lendário teatro Odeon, em Paris. Embora o dramaturgo e jornalista, que viveu entre 1688 e 1763, não seja tão conhecido fora da França, no seu país ele tem um status que é páreo apenas ao de, digamos, Moliére.
Bondy, que também dirigiu a referida montagem teatral, trabalhava com o mesmo texto, tanto durante o dia (no set) quanto à noite (no palco). Mas o contexto, o cenário, figurinos, e, claro, o meio eram completamente diferentes, gerando uma porosidade e um diálogo entre as duas formas de representação. É bem provável que ter visto a montagem da peça de 2014 (ou seu revival de 2015) traga novas camadas de compreensão, mas o longa em si também basta como uma experiência fílmica.
Dorante (Garrel) é um jovem que perdeu seu dinheiro e se torna assistente pessoal de uma viúva rica, Araminte (Isabelle), que está sendo pressionada por sua mãe (Bulle) a se casar com um conde (Jean-Pierre Malo) para evitar uma disputa judicial por um pedaço de terra. O nobre, porém, está realmente apaixonado por ela e quer se casar por amor, mas precisa convencê-la disso.
Há também uma série de encontros e desencontros, que servem como base para a comicidade do filme, potencializada pelos diálogos afiados e afinados de Marivaux, ditos com sagacidade e cinismo pelo elenco. Embora cinematograficamente “As Falsas Confidências” não seja ousado, nem muito inventivo, a dupla Bondy e Bischofberger vale-se de particularidades do cinema que o teatro não permitiria, como imagens em preto e branco, entre outras coisas.
Além disso, ao usar o próprio teatro – não o palco, mas o prédio, uma construção neoclássica da primeira década do século XIX –, o filme cria um estranhamento, uma dissonância entre esses personagens, com aparências do presente (os óculos escuros de Bulle, por exemplo, são dignos de uma rockstar), e o cenário quase congelado no passado. Assim como se dá, na estética, uma ressonância das discussões da peça de Marivaux sobre casamento e dinheiro nas questões do presente.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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