SÃO PAULO (Reuters) - Um diretor de visão e estilo próprios pode ser tudo para um filme. Para provar, basta contrapor duas adaptações da obra da escritora Gillian Flynn. No ano passado, David Fincher levou às telas "Garota Exemplar", que, no papel, é um suspense eficiente, mas, no cinema, ganhou mais dimensões – muito devido ao trabalho do diretor.
Agora, o francês Gilles Paquet-Brenner ("A Chave de Sarah") adapta "Lugares Escuros", da mesma autora (originalmente publicado antes do outro livro, mas que só foi publicado no Brasil agora). O resultado é um suspense convencional, que perde sua energia antes mesmo da metade, resultando um tanto burocrático.
Fincher trabalhou com um roteiro escrito pela própria autora – e ainda assim, foi capaz de se apropriar da história, abandonando o original. Isso, é claro, não tem nada a ver com ser fiel ou não à trama do livro – é um resultado formal. Já Paquet-Brenner, apesar de assinar o roteiro, não consegue se livrar do peso do romance, recaindo nas mesmas deficiências do original. Ao centro, uma chacina nos meados da década de 1980 e suas consequências até hoje. O livro é narrado em três pontos de vista: o da protagonista, em primeira pessoa, no presente; a mãe e o irmão, em 3ª pessoa, no dia fatídico.
Paquet-Brenner mantém essa divisão – mas não se resolve bem na montagem, que os intercala, e inclusive copia uns ganchos para finais de cena diretamente do final de capítulos do livro. Charlize Theron é Libby Day, que quando criança foi a única testemunha de um crime que tirou a vida da mãe, Patty (Christina Hendricks), e das duas irmãs pouco mais velhas. O veredicto, graças ao testemunho dela, é de que o irmão, Ben (Tye Sheridan, nos flashbacks), é o culpado.
Passaram-se quase três décadas e, nos primeiros anos, Libby vive da "fama" do crime, recebendo doações de anônimos e publicando (graças a um escritor-fantasma) uma autobiografia. Mas esse tempo acabou e ela está sem dinheiro. Isto porque, como lhe explica seu advogado: "As pessoas só querem ajudar crianças. Sempre tem uma nova Libby Day".
A moça também é assombrada por um sentimento de culpa – mas, aparentemente, não de dúvida sobre a autoria do crime ou do que aconteceu com sua vida e de sua família, embora ela evite pensar sobre isso.
Lyle (Nicholas Hoult) procura a protagonista e lhe oferece dinheiro. Em troca, ela deve participar de um clube bizarro, no qual ele e amigos reencenam e investigam crimes icônicos, além de também colecionarem souvenires. Ele chega a avisar Libby de que ela pode fazer uma grana se ainda tiver, por exemplo, cartas familiares e quiser vendê-las. Enfim, isso tudo é uma mera desculpa narrativa para que Libby fique em dúvida sobre seu depoimento, procure o irmão (agora interpretado por Corey Stoll) na cadeia e faça uma investigação por conta própria.
Ao mesmo tempo, vemos Ben, em 1985, se envolvendo com uma garota rica, mimada, fútil e manipuladora chamada Diondra (Chloë Grace Moretz), que o leva para participar de rituais satânicos e diz estar apaixonada por ele. O garoto, ingênuo, acredita que tirou a sorte grande. Ao mesmo tempo, exatamente no mesmo dia da chacina, ele é acusado de abusar de uma coleguinha da escola – e novas suspeitas recaem sobre ele, quando outras meninas também dizem que sofreram abuso.
Patty, a mãe de Ben e Libby, precisa não apenas encontrar o filho que sumiu, como também lidar com uma crise financeira e a ameaça de perder sua fazenda pela falta de pagamento da hipoteca. Ao mesmo tempo, o ex-marido (Sean Bridgers) aparece em sua casa, pedindo dinheiro.
Enquanto no romance a escritora tem espaço para delinear um perfil de suas personagens, até as secundárias, e as relações entre eles, na adaptação cinematográfica todos os detalhes servem apenas como pistas falsas do crime. O resultado é arrastado e cansativo, sofrendo da mesma crise de identidade da obra original: não sabe se é um thriller social, se é sobre crise financeira, satanismo, trauma ou simplesmente um suspense para descobrir quem é o culpado.
Por mais satisfatória que seja a resolução dos assassinatos, o desenvolvimento da narrativa acontece aos trancos e barrancos – sem criar espaço suficiente para uma maior empatia com a protagonista.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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