SÃO PAULO (Reuters) - Fora o selo de estreia de Russell Crowe na direção – apesar do ator já ter estado à frente de dois documentários –, a história de "Promessas de Guerra", envolvendo a sangrenta campanha na península de Galípoli, na Turquia, não parece, à primeira vista, ser muito atrativa para o público brasileiro.
Mas, talvez, por motivos tortos, o espectador possa se surpreender com esse drama de guerra sobre um capítulo da Primeira Guerra Mundial que completou 100 anos em abril, sem ser muito explorado nos livros de história daqui e no cinema comercial, onde teve maior destaque em "Gallipoli" (1981), de Peter Weir.
Entretanto, o amante dos filmes históricos e/ou de guerra deve ficar atento já de início com o anúncio do longa ser baseado em fatos reais. Na realidade, o roteirista Andrew Anastasios encontrou na carta do coronel Hughes (Jai Courtney, no filme), australiano responsável pela unidade funerária de guerra do império britânico em Galípoli, a citação a um pai que foi lá à procura de seu filho. A simples frase lhe serviu de inspiração para criar, junto de seu xará Andrew Knight, a trajetória de Joshua Connor, protagonista interpretado pelo próprio Crowe – que chega a escrever a canção tema do projeto.
O roteiro deles apresenta a busca desse pai, que prometeu à esposa, que entrara em desespero, trazer os três filhos para casa. O fazendeiro australiano vai até a Turquia, na época ainda parte do Império Otomano em crise, quatro anos depois da batalha na qual os jovens, assim como tantos outros compatriotas e neozelandeses, desapareceram, provavelmente mortos no embate.
Por isso, não se trata de um filme onde a ação de guerra movimenta a história, pois, apesar de aparecer pontualmente, ela serve aqui como pano de fundo para os dramas dos personagens.
Russell Crowe está nos sets de filmagem desde quando era criança, já que seus pais tinham um serviço de catering para produções audiovisuais, e está completando 25 anos de carreira como ator de cinema, com direito a um Oscar por "Gladiador" (2000). Por isso, além de se cercar de bons profissionais, como o diretor de fotografia Andrew Lesnie (das franquias "O Senhor dos Anéis" e "O Hobbit"), ele tenta aproveitar a experiência com cineastas de renome, como Ridley Scott e Ron Howard, ao criar uma história envolvente para o público, apesar do sentimentalismo.
Exemplos menores disso estão na relação dos Connor com As Mil e Uma Noites e na metáfora do título original, "The Water Diviner", que faz referência ao dom de Joshua em encontrar fontes subterrâneas de água, com a forma como ele busca os corpos dos filhos. No entanto, é mais perceptível no romance que, de tão calculado, o público já preveja o final e toda jornada de perdão do protagonista, quando ele lança o primeiro olhar para a bela viúva Ayshe (Olga Kurylenko), dona do pequeno hotel onde se hospeda em Constantinopla.
Por outro lado, a relação com o "inimigo", criada entre Connor e o major Hasan (Yilmaz Erdogan, na melhor performance do elenco, em geral, correto), comandante das tropas otomanas durante o conflito e dos então nacionalistas, é construída com maior zelo e sinceridade, se tornando mais interessante no decorrer da trama.
A ANZAC, as Forças Armadas da Austrália e da Nova Zelândia, foi chamada pela Tríplice Entente – Reino Unido, França e Rússia – para lutar em Galípoli, porque suas tropas estavam "ocupadas" na Europa, mas erros de cálculo e a forte defesa inimiga a levou à derrota. Então, para um filme australiano mostrar que o outro lado também sofreu com a sangrenta batalha – entre várias estimativas, há uma de que 60 mil aliados e 90 mil turcos morreram em combate –, humanizando-o e fazendo um discurso antiguerra, é um mérito, mesmo com a cooperação turca na produção.
O problema desta participação é outro. Talvez, ela tenha influenciado no modo como os gregos, rivais históricos dos turcos, são retratados como vilões cruéis, com vestimentas pretas e rostos cobertos, inclusive. E algo mais surpreendente é o longa nem ao menos citar outro fato correlato, iniciado na véspera de Galípoli: o genocídio armênio, no qual o Império Otomano levou 1,5 milhão da população minoritária à morte.
Aliás, o lançamento do filme nos Estados Unidos, justamente no dia em que se recordava o centenário deste triste capítulo da História, que a Turquia ainda não admite a existência – alega que foi resultado uma guerra civil e que as mortes não passam de 500 mil –, foi criticado por cineastas armênios e parte da imprensa norte-americana. De qualquer modo, colocar todas essas questões à tona, citando-as ou não, e fazer o público conhecer, pesquisar e refletir mais sobre isso acabam se tornando o principal feito do aprazível "Promessas de Guerra".
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
* As opiniões expressas são responsabilidade do Cineweb