SÃO PAULO (Reuters) - “Todas as mães são abandonadas nesse país”, diz a mesquinha Miss Kelly (Brid Brennan) quando uma atendente de sua loja, Eilis (Saoirse Ronan, indicada ao Oscar por esse trabalho), conta que está de partida para a América.
A garota seguirá os passos de tantos e tantas jovens nos últimos séculos que abandonaram a Irlanda em busca de condições melhores – especialmente rumo aos Estados Unidos, destino da protagonista de “Brooklin”, baseado no premiado romance de Colm Tóibín, com roteiro assinado pelo também escritor Nick Hornby, que concorre ao Oscar de roteiro adaptado. O longa também está indicado na categoria de melhor filme.
O filme se passa entre 1951 e 1952, quando Eilis parte de sua pequena cidade deixando sua irmã Rose (Fiona Glascott) e mãe idosa (Jane Brennan).
A viagem é dura –mais ou menos como a daquelas pessoas dos porões de “Titanic”, mas sem o iceberg pelo caminho– especialmente para uma garota que nunca saiu de casa, nunca viu além do seu quintal. Ela já tem tudo acertado nos Estados Unidos, cortesia de um padre (Jim Broadbent), e irá morar numa pensão e trabalhar numa loja de departamentos cara e elegante.
A história de Eilis não tem nada de glamoroso, pelo contrário, é uma como tantas outras, e o diretor John Crowley (“Dias Selvagens”) se dá conta disso, transferindo essa semibanalidade para o ritmo acertado do filme.
Acompanhamos o cotidiano da jovem e seus pequenos desafios e vitórias. Ela precisa ser mais sociável e travar conversas com as clientes, precisa ser mais desinibida no baile de sábado da igreja aberto a todos irlandeses, precisa ser menos tímida no curso noturno de contabilidade.
Mas é exatamente isso que interessa a “Brooklin”: o amadurecimento dessa garota marcado pela descoberta de um lugar para chamar de lar.
Primeiro, naturalmente ela demora a se adaptar nos EUA. Sente muitas saudades da Irlanda e relê o tempo todo a primeira carta da irmã. Isso só começa a mudar quando conhece Tony Fiorello (Emory Cohen), um personagem italiano a um passo do estereótipo, e, exatamente por isso mesmo, tão cativante. Como ela poderia não se apaixonar por ele? Especialmente depois de passar por uma prova de fogo envolvendo o controle do espaguete na mesa da família dele?
Tudo começa a dar tão certo na vida de Eilis –o namorado, as boas notas na escola, a desinibição no trabalho, a possibilidade de um emprego melhor– que é de se esperar uma reviravolta.
Quando a protagonista precisa voltar para Irlanda, ela se pergunta onde e o que é o seu lar? Em sua pequena cidade natal, ela se torna uma espécie de celebridade local, o que faz sua melhor amiga tentar arrumar um casamento com Jim Farrell (Domhnall Gleeson), rapaz rico e de boa família, que, coincidentemente, está em busca de uma esposa e se interessa pela moça.
Ao contrário de milhões antes dela, Eilis não deixou a Irlanda por causa de uma miséria extrema ou perseguições políticas ou religiosas. Ela saiu em busca de melhores oportunidades e as encontrou. Porém, quando volta para seu país natal, também encontra um outro cenário que a força (nem que seja momentaneamente) a ficar por lá – por mais que queira voltar para o Novo Mundo. A protagonista irá enfrentar o dilema da experiência do imigrante: como seria a vida tanto lá quando cá. Mas, no caso de “Brooklin”, “lá” e “cá” são conceitos que mudam ao longo da narrativa.
A literatura de Tóibín, um devoto de Henry James, se dá na fissura entre o interior de suas personagens e a sociedade que as cerca. Em outras palavras, como conciliar as duas pontas. Muito da narrativa se passa, então, no interior das personagens. O desafio de Hornby e Crowley é traduzir isso em imagens, e eles encontraram em Saoirse – uma talentosa ex-atriz mirim que se tornou uma das melhores de sua geração – a intérprete perfeita para materializar a vida interna de Eilis. Sua interpretação é perspicaz e contida, e ainda assim, capaz de conter o mundo.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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