SÃO PAULO (Reuters) - O show business internacional geralmente usa o termo em inglês "sleeper hit" para aqueles casos surpreendentes de músicas, filmes e afins que, apesar de um baixo orçamento de produção e marketing, ou uma fraca abertura, obtêm grande sucesso ao longo do tempo, muitas vezes pelo poder do boca-a-boca.
Exemplo recente disso é "A Escolha Perfeita" (2012), comédia inspirada no livro-reportagem de Mickey Rapkin sobre o mundo dos grupos universitários de canto à capela, algo tão forte nos Estados Unidos que, além de um campeonato internacional, existe até uma competição no reality show "The Sing Off", exibido na NBC desde 2009 – sem falar nos corais, que ficaram ainda mais conhecidos após a série "Glee" (2009-2015).
Os 17 milhões de dólares gastos no longa de Jason Moore se transformaram em 65 milhões nas bilheterias norte-americanas e quase triplicaram no mercado internacional. Mas o melhor resultado veio mesmo nos mais de 100 milhões de dólares arrecadados na área de home video, mesmo em tempos de crise no segmento - e as visualizações do videoclipe de "Cups" – canção que chegou na parada da "Billboard" somente meses depois do lançamento –, interpretada pela atriz principal Anna Kendrick, que passam dos 225 milhões no YouTube.
É claro que um fenômeno destes não seria desperdiçado por Hollywood. Lançada em meados de maio nos EUA, "A Escolha Perfeita 2" (2015) faturou bem mais que a superprodução aclamada pela crítica "Mad Max: Estrada da Fúria" (2015) no final de semana em que ambas estrearam e, até então, já acumulou 284 milhões de dólares em todo mundo. Só agora o público brasileiro poderá conferir nas salas de cinema que, apesar do sucesso comercial, o filme tem os mesmo altos e baixos enfrentados pelas The Barden Bellas na trama.
O diverso grupo feminino à capela da fictícia Universidade de Barden, ao qual o espectador foi apresentado através do olhar da novata e alternativa Beca (Anna Kendrick) no primeiro filme, colhia os frutos do sucesso obtido nos últimos anos até um incidente em uma apresentação para o presidente Obama causar um escândalo que lhes tira a chance de participar das competições nacionais – e o que acontece com Fat Amy/Amy Gorda (Rebel Wilson) na história deixou de soar absurdo depois do que ocorreu com o cantor Lenny Kravitz na semana passada.
A solução encontrada por Chloe (Brittany Snow), agora líder das meninas, para não deixarem de cantar é ganhar o campeonato mundial, um feito nunca alcançado por uma equipe norte-americana e que parece ainda mais distante com a concorrência da sincronia imponente dos alemães do Das Sound Machine.
Paralelamente, Beca está mais desligada das suas funções no grupo, pois conseguiu um estágio em um estúdio de gravação com a intenção de focar no seu sonho de se tornar uma produtora musical. Enquanto isso, a novata Emily (Hailee Steinfeld), filha de uma antiga integrante das Barden Bellas, entra para a fraternidade, conforme o sonho de sua mãe, mas tem dificuldades para encontrar seu lugar.
Quanto à relação entre Beca e Jesse (Skylar Astin), ela se torna um elemento de composição da personagem e não recebe destaque como antes, já que os holofotes vão para o interesse romântico entre Emily e o acanhado Benji (Ben Platt) e a amizade colorida de Bumper (Adam DeVine) e Fat Amy.
Depois de chamar a atenção no primeiro longa, a personagem de Rebel Wilson ganha mais espaço agora, assim como as participações especiais recorrentes durante a narrativa – desde os jurados de um famoso reality show musical em uma cena pós-crédito imperdível e o grupo Pentatonix, ganhador de uma temporada do "The Sing Off", até um série de apresentadores de TV e jogadores de futebol americano.
Porém, essa exploração cai no exagero às vezes. Assim, a comédia física da atriz junto com o humor sarcástico do texto, certa escatologia que permeia alguns momentos e as personagens de uma piada só ora funcionam, ora não.
Após usar da ironia para conferir charme a uma junção de convenções de filmes musicais, colegiais/universitários e até esportivos – sem falar na ótima referência ao "Clube dos Cinco" (1985) – em "A Escolha Perfeita", a roteirista Kay Cannon recicla seu próprio trabalho nesta continuação, até na sequência de eventos, a exemplo da batalha de música que retorna.
Tudo como desculpas narrativas bem frouxas para amarrar os números musicais, as grandes estrelas do show. Mas para quem trabalhou tanto tempo com Tina Fey nos roteiros de "30 Rock" (2006-2013), ela acerta tanto na exploração cômica da visão egocêntrica dos Estados Unidos sobre o mundo quanto em expor o ridículo da misoginia nas falas do comentarista John Smith (John Michael Higgins).
Sua companheira de comentários na história é interpretada por Elizabeth Banks, que além de atuar e produzir todos os filmes da franquia, também assina a direção deste – é seu primeiro longa na função, pois apenas dirigiu um segmento do fracasso "Para Maiores" (2013) –, mostrando que esta é uma produção realizada predominantemente por mulheres, mas longe de uma visão do que a mulher tem de fazer e sim do que ela quer ser.
Distante da batalha entre sexos do outro longa, ela e Cannon fazem uma obra feminista sem ser necessariamente panfletária: as Bellas podem cantar "Run The World (Girls)", da Beyoncé, mas não estabelecem os homens como inimigos nem, por outro lado, como o centro de suas vidas. A dedicação de Beca ao trabalho é a principal motivação da personagem, mas ao mesmo tempo não é um empecilho para o seu namoro.
Além disso, o papel da protagonista é diluído nesta segunda película que se torna, na realidade um filme de grupo, em que a amizade da fraternidade dá o tom. Não tão inspirado quanto seu antecessor, "A Escolha Perfeita 2" diverte, provando a ótima fase das mulheres na comédia; no entanto, mostra que o próximo capítulo da série – sim, o terceiro já está garantido para 2017 graças ao sucesso desta vez instantâneo – precisa encontrar novos rumos sem fugir de sua essência.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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