SÃO PAULO (Reuters) - Esqueça o “Mim, Tarzan. Você, Jane”, o novo filme do mais famoso personagem do escritor norte-americano Edgar Rice Burroughs dispensa apresentações – a clássica frase vem em forma de referência, assim como outros elementos relacionados a esta figura icônica da literatura e do cinema, em que já estrelou uns 50 filmes.
Isso porque “A Lenda de Tarzan” (2016) prefere pular a conhecida história do menino selvagem criado por macacos para avançar em sua nova vida.
O público é apresentado logo de início a John Clayton 3º (Alexander Skarsgård, conhecido pela série “True Blood”) recusando o título de Tarzan e já vivendo em Londres.
Casado com sua amada Jane (Margot Robbie) e na posição de Lorde de Greystoke, ele e a esposa têm a chance de voltar à África, depois de oito anos longe do que era o lar do casal - nesta diferente abordagem, a jovem norte-americana cresceu junto a uma tribo local graças ao serviço missionário do pai.
O cenário em questão é o Estado Livre do Congo dos anos 1880, hoje República Democrática do Congo, embora as gravações tenham ocorrido, na realidade, no Gabão e em estúdios perto da capital inglesa.
A escolha do local serve como forma de introduzir na ação a exploração do rei Leopoldo 2º, da Bélgica, sobre os recursos naturais e humanos da região, algo que ocorreu de maneira mais sanguinária e cruel do que mostrado aqui, a fim de enriquecer a básica trama original.
A adição do contexto histórico continua com a figura do norte-americano George Washington Williams (Samuel L. Jackson), um dos primeiros a levantar a voz contra o regime colonial carniceiro de Leopoldo.
O personagem, no entanto, serve de alívio cômico na trama, enquanto convence o protagonista a voltar às origens para investigar a existência de escravidão no sistema controlado pelo mandatário do monarca belga, Leon Rom (Christoph Waltz), obcecado por obter os diamantes de Opar, protegidos pelo chefe Mbonga (Djimon Hounsou).
David Yates, diretor da metade final da franquia Harry Potter, faz de seu primeiro blockbuster longe da magia de Hogwarts um filme apurado tecnicamente, empregando realismo na animação digital dos animais, além de um 3D funcional em muitas cenas de ação.
O cineasta ainda aposta em uma versão mais sombria da história, em que o Tarzan melancólico de Skarsgård se apoia na paleta de cores acinzentada da fotografia de Henry Braham e na direção de arte de Stuart Craig (responsável pela mesma função em “Greystoke – A Lenda de Tarzan, o Rei da Selva”, 1984). Ainda assim, não se encontra no roteiro e na direção a complexidade que estampa.
Os roteiristas Adam Cozad e Craig Brewer excedem-se nos flashbacks, quebrando o ritmo da narrativa, nem sempre fluida entre o resgate histórico, a história clássica e a nova ficção. A dupla também não consegue criar um envolvimento maior com os personagens, mesmo já se tendo conhecimento prévio.
Nada disso torna o filme realmente ruim, mas, talvez, mais esquecível e menos eficiente que a reimaginação recente de “Mogli”. Na realidade, é uma produção cheia de boas intenções que vão além do esmero visual, porém, não realizadas.
Apesar do toque de revisionismo histórico, ainda é o homem branco quem salva o dia, por mais que este filme registre o retrato mais humano e afetuoso dos nativos africanos em tudo que envolve o rei das selvas. Do mesmo modo, a Jane progressista de Robbie graciosamente se mostra proativa, mas acaba no papel da donzela em perigo que tanto rejeitou antes.
(Por Nayara Reynaud, do Cineweb)
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