SÃO PAULO (Reuters) - São Paulo, sua fauna e flora, tem sido ao longo de mais de quatro décadas um dos temas caros ao cineasta Ugo Giorgetti. A cidade chega a surgir como uma força que determina a vida dos personagens.
Seu mais recente trabalho, “Uma Noite em Sampa”, potencializa essa dinâmica. Ao centro do filme está um grupo de ricos do interior que vieram à capital para um espetáculo de teatro, jantarão num restaurante fino e caro e depois voltarão para casa.
Seria uma noite comum com alguma diversão e boa comida, não fosse o fato de o motorista ter sumido sem deixar qualquer vestígio. Ninguém sabe seu nome, nem lembra seu rosto.
Na verdade, o grupo de endinheirados que fica do lado de fora do ônibus numa noite fria nem olhou para o motorista – exceto uma das passageiras (Fernanda Viacava) que, curiosamente, descobre-se depois, não faz parte dos grã-finos, é uma funcionária cuja patroa (Cris Couto) trouxe como acompanhante.
Em poucos minutos, Giorgetti, que também assina o roteiro, coloca a luta de classes como catalizador da ação do filme. Deixados do lado de fora do Teatro Ruth Escobar, na Bela Vista, sem seus celulares (que ficaram dentro do ônibus), os turistas culpam a organizadora da viagem (Flavia Garrafa), outra que também não pertence à classe deles.
Se num primeiro momento há união no grupo – interpretado por Andrea Tedesco, Roney Facchini, André Correa, Cris Couto, Agnes Zuliani, Carol Portes, Suzana Alves, Thaia Perez, Cris Rocha, Stella Tobar, Thiago Amaral, Siomara Schröder, Francisco Bretas, Sergio Mastropasqua, Angelo Brandini, Atílio Bari, Isabeau Christine, e alguns manequins de plástico, causando um estranhamento muito bem sacado – com o tempo, as alianças vão se esmaecendo, quando emerge o individualismo.
Giorgetti, como em “Sábado”, faz de, praticamente, um único ambiente – no caso a céu aberto, numa esquina em frente ao teatro – o microcosmos de toda a cidade.
Os tipos de São Paulo estão ali – especialmente da classe alta – com seu consumo desenfreado e raso por cultura, enquanto se apoiam cada vez mais na exploração das classes abaixo da deles – nesse sentido, o destino da funcionária é bastante elucidativo. O toque de humor, aliás, gera um riso mais incômodo do que de diversão.
O mote do filme possui uma clara referência a “O Anjo Exterminador”, de Luis Buñuel – algo que até um personagem menciona –, mas Giogetti faz as devidas adaptações no tempo e no espaço. Estamos falando da burguesia brasileira do século 21, que não é tão endinheirada quanto aquela do filme espanhol e, talvez, nem tão culta – a ida ao teatro pode ser apenas uma desculpa para sair momentaneamente de sua cidade.
Rodado inteiramente no meio da rua, “Uma Noite em Sampa” prima por uma fotografia assinada por Walter Carvalho, parceiro de Giorgetti em diversos filmes, – não confundir com o colega de profissão homônimo, fotógrafo de filmes como “Central do Brasil” e “A Febre do Rato” – capaz de ser clara o suficiente para vermos a cena, mas sem nunca clarear muito a ponto de esquecermos de que é noite.
A presença de alguns manequins em cena – que, na verdade são tratados como humanos – é, por fim, sintomático.
Giorgetti aponta, em seu humor ácido, a perda gradual da humanização na grande metrópole. A relação do grupo com moradores de rua dos arredores é a concretização mais contundente desse fato.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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