SÃO PAULO (Reuters) - A última vez que vimos Scarlett Johansson em Tóquio foi em 2003, ao som de “Just Like Honey”, enquanto ela se despedia de Bill Murray, ao final de “Encontros e Desencontros”. Mais de uma década se passou e, no universo da ficção, nem ela, nem a cidade, são as mesmas.
Em “A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell”, embora o cenário não seja assumidamente a capital japonesa, há muito da cidade. Já a personagem da atriz, nem é mais 100 por cento humana: é uma ciborgue projetada para lutar contra os mais perversos vilões.
“A Vigilante do Amanhã”, nova adaptação do mangá de Masamune Shirow (sendo a mais famosa, “Ghost in the Shell”, de 1995), se constrói num nível duplo de narrativa, que caminha para se resolver de forma única.
A Major Miran Killian, protagonista, é, basicamente, o cérebro de uma refugiada ferida num ataque terrorista implantado num corpo artificial dotado de força mais do que humana. Ao menos essa a versão da cientista Dra. Ouelet (Juliette Binoche), que a criou.
Um ano depois da transformação, a vigilante está nas ruas de uma cidade, cujo visual lembra o de “Blade Runner”, ainda mais abarrotado de estímulos visuais.
Não custa muito uma nova trama emergir: a da identidade da Major. Quem é ela? Constituída de fibras e circuitos, ela não acredita ser humana, embora dentro dela exista mais humanidade do que em todos os personagens tecnicamente humanos que a cercam.
É esse resgate pelo passado que se torna a força motora do filme dirigido por Rupert Sanders (“Branca de Neve e o Caçador”). A trama é mais simples do que parece, e o filme não gasta muito tempo tentando mascará-la como algo super-sofisticado, o que é uma vantagem.
Nessa jornada em busca de descobrir quem realmente é, a Major conta com a ajuda da Dra. Ouelet, talvez a única pessoa dentro do laboratório em quem ela pode confiar, Batou (Pilou Asbæk), um colega de trabalho, que acaba fisicamente modificado depois de um acidente, e Aramaki (Takeshi Kitano), supervisor responsável por delegar as missões e protegê-la, mesmo à distância.
A cidade com seus hologramas, ruas entulhadas de pessoas e cores e favelas verticais parece uma atualização do visual de “Blade Runner”, com excessos por todos os cantos, criando imagens quase hipnóticas. O filme, que facilmente se enquadraria no sub-gênero da ficção científica pós-cyberpunk, investiga o impacto do avanço tecnológico, das sociedades ultrainformatizadas.
A Major é toda composta de dados, podendo ser hackeada ou infectada por um vírus. E ela não é a única. Quem tem informação, mais do que nunca, tem o poder. É nesse sentido que ocorrem as disputas da narrativa do filme.
No primeiro plano, a informação está no nível pessoal --o passado da Major--, mas o domínio dessa instância em cada pessoa é capaz de controlar toda a sociedade. E isso é de grande interesse para o misterioso Cutter (Peter Ferdinando), da empresa que fez a androide -- e não apenas ela.
De certa forma, nas entrelinhas, nos seus “entrebites”, “A Vigilante do Amanhã” é uma espécie de utopia que potencializa a subjetividade de cada indivíduo por meio da artificialidade de sua protagonista em sua jornada para se descobrir como humana. A verdade está exatamente na contradição da máquina em busca do humanismo. É explorando esse conceito que o longa tem seus melhores momentos.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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