SÃO PAULO (Reuters) - “Ninguém Deseja a Noite”, da catalã Isabel Coixet, é o tipo de filme de tempos de globalização que serve apenas para mostrar o quão vazia essa ideia pode ser.
Produzido com dinheiro espanhol, francês e búlgaro, filmado na Bulgária e em Tenerife (uma ilha espanhola), protagonizado por uma francesa (Juliette Binoche), ao lado de uma japonesa fazendo papel de esquimó (Rinko Kikuchi) e um americano (Gabriel Byrne, talvez um dos poucos aqui a interpretar alguém de sua nacionalidade), o longa é uma geleia insípida europeia repleta de boas intenções, vazio cinematograficamente e questionável ideologicamente.
Tudo isso é inspirado na história da americana Josephine Peary (interpretada por Juliette), mulher do explorador Robert Edwin Peary, que o acompanhou em seis expedições ao Círculo Polar Ártico, rendendo-lhe o título de Primeira-Dama do Ártico. Roteirizado pelo espanhol Miguel Barros, o longa é uma espécie de fantasia sobre um período da vida dessa mulher, no começo do século passado.
Robert Peary é uma presença invisível aqui. Nunca está em cena, mas sua existência é o que projeta a narrativa, quando Josephine vai ao seu encontro inadvertidamente, deixando sua casa confortável em Washington.
Logo no começo, a diretora (que tem no currículo filmes como “Minha Vida sem Mim” e “Fatal”) enfatiza o fato de Josephine ser uma mulher deslocada. Ela aparece com um vestido elegante andando por uma aldeia, em meio ao barro da terra misturada com gelo derretendo. Antes disso, na primeira cena, a protagonista mata um urso polar e comemora: “Essa pele fará sucesso na Park Avenue.”
Depois disso, o filme transita entre mostrar o exotismo de Josephine (que carrega sua porcelana, prataria e gramofone para onde vai) em meio aos selvagens do extremo norte do planeta.
Capaz de produzir jantares refinados apenas para si mesma, Josephine tem a missão (um tanto involuntária) de “civilizar” os selvagens da região, o que se torna claro quando encontra uma jovem esquimó (Rinko) grávida e solitária. A protagonista a toma sob sua proteção, mesmo quando descobre que seu marido é o pai da criança.
Magnânima em sua generosidade (apesar da irritação inicial, vai cuidar da moça até o fim), seu egoísmo deve ser perdoado dado o nível de altruísmo que atinge a partir da experiência com a jovem nativa. Os caprichos de Josephine, que nem deveria estar naquele lugar naquele momento de início de inverno rigoroso, custam a vida de praticamente toda a comitiva que a acompanha –inclusive os cães que puxam o trenó.
Mas ela vai “civilizar” uma selvagem, diz o filme o tempo todo, e o preço disso é caro!
Josephine Peary é uma figura real e há diversos registros de sua expedição –ela mesma escreveu livros. Mesmo assim, é um tanto improvável o que se vê na tela, da forma como é apresentado. Seus exageros e caprichos a colocam numa posição tão vulnerável que não duraria uma semana naquele lugar.
Juliette Binoche, por sua vez, parece transitar entre seu piloto automático e o tédio, com um sotaque que muda de cena para cena.
A japonesa Rinko Kikuchi teria uma personagem com mais potencial, mas o tratamento como uma empregada exótica nunca coloca as duas figuras no mesmo patamar. Há, claramente, uma perspectiva feminina, da força da mulher nesse cenário tão inóspito, mas ao embalar as duas em tanta excentricidade esvazia-se esse esforço.
(Por Alysson Oliveira, do Cineweb)
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