SÃO PAULO (Reuters) - Vencedor de um Oscar pela interpretação do físico Stephen Hawking em “A Teoria de Tudo” (2014), o inglês Eddie Redmayne assume desafio maior ao protagonizar o drama “A Garota Dinamarquesa” – em que interpreta uma das pioneiras na redesignação cirúrgica de gênero, a artista plástica Lili Elbe, papel que lhe concedeu nova indicação ao Oscar de melhor ator.
Dirigido por Tom Hooper (“O Discurso do Rei”), o drama inspira-se na história real de Elbe, nascido Einar Wegener, na Dinamarca. Bem-sucedido pintor de paisagens, ele é casado com outra pintora, Gerda (Alicia Vikander). Os dois vivem uma relação vibrante e harmoniosa, até o dia em que Gerda sugere que ele pose em roupas femininas para ajudá-la a terminar um retrato.
O incidente corriqueiro desata uma pulsão em Einar, que cada vez mais sente emergir seu desejo de vestir-se de mulher, assumindo uma identidade que até então fora sufocada. Nesse percurso conflituoso, ainda nas primeiras décadas do século 20, quando havia menor compreensão sobre as diferentes manifestações de gênero, sua maior aliada acaba sendo Gerda – que tem que travar sua própria batalha para desapegar-se do marido, explorando outras formas de relacionamento e afeto em relação a ele, agora uma mulher.
Se é nítido que o filme é sobre Lili e sua árdua transformação, é igualmente claro que o filme não dá conta de todas as nuances da complexidade desta passagem. A transição é um tanto brusca e superficial, fixando-se mais nos aspectos externos – maquiagem e figurino, por exemplo – do que os processos internos do conturbado protagonista.
Este desequilíbrio ocorre, entre outras coisas, porque o roteiro, de Lucinda Coxon, afasta-se demais da história real de Lili e Gerda -contada no livro homônimo de David Ebershoff, em que o longa que se baseia-, evitando incorporar detalhes como o fato de que Gerda se relacionava com outras mulheres.
Pasteurizando ambas as figuras, o filme tem a sorte de ter esta espécie de vácuo dramático ocupado, no entanto, pela inspirada interpretação de Alicia Vikander – que não por acaso venceu prêmios expressivos, como o do Sindicato dos Atores da América, e ainda concorre ao Oscar de atriz coadjuvante (o filme tem quatro indicações, incluindo também figurino e design de produção).
Assumindo as dúvidas, hesitações, amor e lealdade ao marido, a jovem atriz sueca (vista também em “O Amante da Rainha”) injeta Gerda de uma complexidade humana maior. Por falha da direção, não se dá ao refinado ator Eddie Redmayne a mesma oportunidade de expor toda as sutilezas de sua batalha íntima.
O enredo sugere, mas também não explora devidamente, a aproximação do casal com o marchand Hans (Matthias Schoenaerts) – outro bom ator claramente subaproveitado por conta da insuficiente definição de seu papel. Tal como acontecia no premiado “O Discurso do Rei”, o diretor Tom Hooper sacrifica arestas e ambiguidades em favor de uma narrativa mais amena e linear para um grande público.
(Por Neusa Barbosa, do Cineweb)
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