Por Mica Rosenberg e Kristina Cooke
NOVA YORK/SÃO FRANCISCO (Reuters) - O governo do presidente norte-americano Donald Trump mudou as diretrizes para o treinamento de funcionários que trabalham com pedidos de asilo, de modo que pessoas em busca de refúgio nos Estados Unidos podem ter mais dificuldade para passar nos estágios iniciais de avaliação.
As mudanças no plano de aulas usado por centenas de agentes indicam que o governo Trump busca novas maneiras de restringir as pessoas elegíveis para asilo, após medidas nesse sentido terem sido rejeitadas em cortes federais, disseram ex-funcionários do governo dos EUA e especialistas em imigração que analisaram o plano interno ao qual a Reuters teve acesso.
As modificações podem levar a um aumento no número de negativas e deportações antes que os pedidos possam ser analisados mais profundamente, avaliaram.
Jessica Collins, porta-voz para o Serviço de Cidadania e Imigração dos EUA (USCIS, na sigla em inglês), responsável por processar os pedidos de asilo, disse que a agência atualiza periodicamente seus documentos de treinamento, e que analisa todos as solicitações caso a caso.
O plano de aulas foi revisado em 2006, 2014 e fevereiro de 2017. A nova versão data de 30 de abril e passa a vigorar neste mês, informou.
Um crescente número de famílias, sobretudo da América Central, tem se entregue a agentes de fronteira e pedido por asilo, o que tem pressionado a capacidade das agências responsáveis pela área nos EUA. Em março, mais de 100 mil pessoas foram capturadas na fronteira com o México, o maior nível mensal em mais de uma década.
O presidente dos EUA, Donald Trump, alega que os migrantes exploram “brechas” nas leis de imigração e que muitos pedidos de asilo são fraudulentos.
O primeiro passo no processo de asilo dos EUA é uma entrevista com agentes da USCIS especialmente treinados sobre a legislação de imigração e asilo, com o objetivo de determinar se o migrante tem um “temor crível” de retornar a seu país.
Se passarem pela primeira etapa, que é menos exigente, os postulantes seguem para cortes de imigração, onde um juiz pode lhes conceder asilo se provarem que são perseguidos por causa de sua raça, religião, nacionalidade, opinião política ou por pertencerem a um grupo social em particular.
Cerca de 75 por cento dos milhares de postulantes mensais costumam passar pela entrevista sobre o “temor crível”, de acordo com dados do governo. Mas a maioria dos migrantes da América Central, que fogem da violência e corrupção generalizadas, não conseguem asilo.
Trump tem dito que os padrões de entrada nos EUA são lenientes demais.
O plano de aula revisado é “um significativo e perturbador passo para tornar mais difícil passar pelas entrevistas de temor crível”, disse Victoria Neilson, que trabalhou na divisão de refúgio e asilo da USCIS durante o governo de Barack Obama.
O novo plano retira das diretrizes um parágrafo segundo o qual as entrevistas de “temor crível” deveriam considerar que os postulantes ao asilo podem não trazer consigo as evidências que provem suas alegações ao chegar aos EUA. Também foram retiradas as orientações para considerar o trauma e o contexto cultural dos migrantes. Instruções para se ter mais cautela contra fraudes foram inseridas.
Stephen Legomsky, ex-conselheiro chefe da USCIS, disse que os candidatos a asilo que chegam aos EUA sem documentos para atestar a perseguição no local de origem podem contar somente com seu próprio testemunho. “Sem levar fatores culturais e psicológicos em consideração, avaliar a credibilidade de uma pessoa se torna praticamente impossível”, disse ele.
Collins, a porta-voz da USCIS, disse que os agentes levam em consideração “informações relevantes sobre as condições no país”, aderentes a “todas as leis, regulações, políticas e precedentes aplicáveis”.
Atualmente, agentes da área de asilo precisam completar semanas de treinamento presencial e depois passar por cursos de atualização periódicos.
A Casa Branca tenta aprovar uma verba de 23 milhões de dólares com objetivo de financiar agentes de patrulhamento de fronteira para conduzirem as entrevistas de “temor crível”, que costumam ser realizadas pelos agentes da USCIS especializados. Não está claro se o novo plano de aulas tem por objetivo ser usado no treinamento dos agentes de fronteira.
A agência dos EUA para a proteção de fronteiras, que supervisiona a patrulha, disse que quem responde por questões sobre entrevistas conduzidas por seus agentes é o Departamento de Segurança Interna, que não retornou os pedidos por comentários.
Em 29 de abril, um memorando da Casa Branca determinou que as agências deveriam “repriorizar” seus agentes de imigração para que realizassem as entrevistas de “temor crível”, mas sem especificar os agentes de fronteira.
Migrantes que passam pela entrevista de “temor crível” com frequência recebem permissão para ficar nos EUA até que seus pedidos de asilo sejam decididos, um processo que pode levar meses ou anos devido ao acúmulo de casos nas cortes de imigração.
O governo de Trump diz que as pessoas estão jogando com o sistema legal para conseguir ficar no país.
Em um comício em Grand Rapids, no Michigan, em 29 de março, Trump chamou o processo de concessão de asilo de “um grande e gordo trabalho de enrolação”.