BEIRUTE (Reuters) - Carlos Ghosn, que falou em público pela primeira vez desde sua fuga dramática da Justiça do Japão, disse nesta quarta-feira a repórteres em Beirute que foi tratado "brutalmente" por procuradores de Tóquio, que acusou de ajudarem a Nissan a expulsá-lo da presidência da empresa.
Adotando um tom desafiador, o ex-chefe da Nissan disse nesta quarta em uma coletiva de imprensa lotada que não acredita que teria um julgamento justo se permanecesse no Japão.
O antigo titã da indústria automotiva fugiu no mês passado do Japão, onde aguardava para ser julgado por acusações de declaração de salários menores, violação de confiança e sonegação de fundos da empresa, todas as quais ele nega. Ghosn disse ter fugido para o Líbano para limpar o nome.
"Você morrerá no Japão ou terá que sair", disse Ghosn ao descrever seus sentimentos. "Eu me sentia como um refém de um país que servi durante 17 anos", disse ele aos repórteres que lotaram o sindicato de imprensa à beira-mar de Beirute.
Com cidadania brasileira, francesa e libanesa, Ghosn também respondeu em português a um pergunta de um jornalista brasileiro presente à entrevista, e lamentou não ter recebido um apoio maior por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro, apesar de ter agradecido à atenção recebida do cônsul do Brasil no Japão.
"Eu estava esperando um pouco mais de ajuda da parte do governo brasileiro, que não aconteceu, infelizmente", disse, acrescentando, no entanto, que respeitava a posição de Bolsonaro de não falar sobre o caso dele com o governo japonês para não atrapalhar as autoridades do Japão.
Muitos repórteres ficaram do lado de fora da entrevista lotada, sob uma chuva intensa, inclusive membros da mídia japonesa que foram excluídos.
"As acusações contra mim são infundadas", acrescentou Ghosn, repetindo sua alegação de que a Nissan e autoridades japonesas se mancomunaram para derrubá-lo após um revés na Nissan e como vingança pela interferência do governo da França na aliança da montadora com a Renault.
"Por que eles prorrogaram o cronograma da investigação, por que me prenderam? Por que estavam tão determinados a me impedir de falar e estabelecer os fatos?", questionou Ghosn ao mencionar as autoridades japonesas.
"Por que passaram 14 meses tentando esgotar as minhas forças, proibindo-me de ter qualquer contato com a minha esposa?"
Na terça-feira, procuradores de Tóquio emitiram um mandado de prisão para a esposa de Carlos Ghosn, Carole, por suposto perjúrio.
Após as declarações de Ghosn, os procuradores de Tóquio disseram que as acusações dele sobre conspiração da procuradoria com a Nissan são falsas, e que ele não conseguiu comprovar suas alegações.
"Carlos Ghosn fugiu do Japão agindo de uma maneira que poderia constituir um crime em si própria. As declarações dele durante coletiva de imprensa hoje falharam em justificar seus atos", disse o Ministério Público do Distrito de Tóquio em comunicado.
O órgão afirmou que a alegação de Ghosn sobre suposta conspiração é "categoricamente falsa", acrescentando que os promotores buscam formas de levá-lo à Justiça no Japão.
O Ministério da Justiça japonês disse que tentará encontrar uma maneira de levar Ghosn de volta, embora o Líbano não tenha acordo de extradição com o Japão.
Autoridades turcas e japonesas estão investigando como Ghosn foi levado clandestinamente a Beirute. A Interpol emitiu um "boletim vermelho" pedindo sua prisão.
A coletiva de imprensa de Ghosn foi a reviravolta mais recente de uma saga de 14 meses que abalou a indústria automotiva global, ameaçou a aliança Renault-Nissan arquitetada pelo próprio Ghosn e aumentou a vigilância sobre o sistema judicial do Japão.
A Nissan disse que uma investigação interna revelou que Ghosn usou dinheiro da empresa para fins pessoais e subavaliou sua renda, uma violação da lei japonesa.
(Por Samia Nakhoul e Eric Knecht em Beirute, e Tim (SA:TIMP3) Kelly em Tóquio)