Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - O marqueteiro João Santana e a mulher dele, Mônica Moura, confessaram, nos acordos de delação premiada, que receberam pelo menos 53,9 milhões de dólares em recursos via caixa 2 para fazer o marketing eleitoral de campanhas presidenciais na Venezuela, Angola, El Salvador e Panamá.
Em boa parte dos casos, conforme os relatos, o esquema de caixa 2 eleitoral era abastecido com recursos da Odebrecht, empreiteira que tinha negócios nesses países, e a pedido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ministro Edson Fachin, relator da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF), liberou nesta quinta-feira a íntegra das colaborações firmadas pelos dois, que estavam sob sigilo desde o início de abril, quando ele homologou a delação de ambos.
As declarações do casal devem desencadear novas frentes de investigações --o Ministério Público Federal apresentou ao STF 22 petições referentes a fatos denunciados por eles.
Há uma série de pedidos de colaboração internacional de países com obras da Odebrecht e que tiveram campanhas feitas por Santana para ter acesso aos documentos das delações, conforme mostrou a Reuters há três semanas.
VENEZUELA
Mônica Moura, que cuidava da parte financeira do casal, afirmou aos procuradores brasileiros ter recebido 20 milhões de dólares em repasses não contabilizados da campanha à reeleição de Hugo Chávez em 2012.
Desse total, a mulher de Santana disse ter recebido 11 milhões de dólares em espécie das mãos de Nicolás Maduro na sede da chancelaria em Caracas. Então ministro das Relações Exteriores, Maduro sucedeu Chávez após a morte do líder bolivariano.
Segundo o relato da empresária, Maduro recebia-a em seu próprio gabinete, entregava-lhe pastas com dinheiro e providenciava escolta para lhe dar segurança no percurso da Chancelaria à produtora.
Outros 7 milhões de dólares foram custeados, disse a mulher de Santana, pela Odebrecht e 2 milhões de dólares pela Andrade Gutierrez, por meio de depósito na conta suíça ShellBill, administrada pelo casal.
Ainda assim, Mônica Moura afirmou ter ficado um saldo de 15 milhões de dólares dessa campanha nunca quitado.
ANGOLA
Aos procuradores, a mulher de Santana disse também ter recebido 20 milhões de dólares de um contrato de gaveta da campanha à reeleição em 2011 de José Eduardo Santos, presidente da Angola desde 1979. Segundo ela, esse valor foi bancado pela Odebrecht da seguinte forma: 15 milhões de dólares foram pagos em espécie e outros 5 milhões de dólares por meio da conta ShellBill.
Na ocasião, conforme o relato dela, Santos afirmou a Lula e a Emílio Odebrecht, patriarca do grupo Odebrecht, que tinha forte interesse em contratar João Santana para fazer a campanha dele, mas seu partido, o MPLA, tinha dificuldades em contratar o marqueteiro. Ela disse que Lula pediu pessoalmente a Santana que fizesse a campanha.
O valor total dos serviços publicitários da campanha, segundo Mônica, foi de 50 milhões de dólares.
PANAMÁ
No Panamá, conforme o relato da mulher de Santana, novamente Lula e Emílio Odebrecht articularam-se para garantir que o marqueteiro fizesse a campanha em 2014 de José Domingos Arias, candidato do então presidente Ricardo Martinelli.
O marqueteiro não queria fazer essa campanha por falta de tempo e de afinidade política. Emílio pediu a Lula, que fez Santana realizar a campanha, segundo a mulher do casal.
Mônica Moura disse ter negociado o valor total da campanha de Arias pessoalmente com Martinelli, de 21 milhões de dólares. Segundo ela, Martinelli confirmou que poderia arcar com esses custos, desde que aceitasse receber boa parte por fora via Odebrecht.
Conforme Mônica, a empreiteira arcou com 11,4 milhões de dólares em pagamentos, com pagamento em espécie, no Panamá e no Brasil, utilizando uma conta offshore no Peru e ainda a conta suíça ShellBill. Outros 500 mil dólares foram repassados, segundo ela, em espécie pelo próprio Martinelli.
O casal, contudo, alega que ficou um saldo a pagar de 5 milhões de dólares da disputa panamenha --Arias acabou derrotado no pleito.
EL SALVADOR
Mônica Moura também contou que Santana foi convidado a fazer a campanha presidencial do candidato de esquerda Maurício Funes à Presidência em El Salvador, no final de 2008. Segundo ela, o pedido partiu do então presidente Lula.
A mulher de Santana disse que a empresa do casal trabalhou lá por três meses e, conforme relato dela, o ex-ministro de Lula e então deputado federal Antonio Palocci avisou-lhe que resolveria os acertos financeiros de campanha, desde que o repasse ocorresse via caixa 2.
Mônica relatou ter recebido no Brasil 2 milhões de dólares em espécie das mãos de Juscelino Dourado, ex-chefe de gabinete de Palocci no Ministério da Fazenda. Palocci e Dourado foram presos em setembro durante uma das fases da operação Lava Jato.
A defesa de Lula disse desconhecer as declarações dos marqueteiros, "mas como foram prestadas em uma delação, elas nada provam".
"Veículos de imprensa já denunciaram que a força-tarefa da Lava Jato tem exigido referências a Lula como condição para aceitar delações", diz a nota. "A perseguição política por meios jurídicos ("lawfare") em relação a Lula fica cada dia mais clara."