Por Ahmed Aboulenein
BAGDÁ (Reuters) - Apoiadores de grupos paramilitares iraquianos com suporte do Irã que invadiram o perímetro da embaixada norte-americana e atiraram pedras durante dois dias de protestos se retiraram nesta quarta-feira, após Washington deslocar tropas adicionais e ameaçar represálias contra Teerã.
Os manifestantes --irritados com ataques aéreos norte-americanos contra o grupo Kataib Hezbollah, apoiado por Teerã, que mataram pelo menos 25 pessoas-- atiraram pedras ao prédio, enquanto as forças dos EUA, posicionadas nos telhados, jogaram gás lacrimogêneo para dispersá-los.
No entanto, por volta do meio da tarde (horário local), a maioria aparentemente obedeceu ao pedido de retirada emitido pelo Forças de Mobilização Popular, grupo majoritariamente de milícias xiitas, segundo o qual a mensagem dos manifestantes havia sido ouvida.
Jovens usaram galhos de palmeiras para varrer as ruas à frente da embaixada, enquanto outros guardavam equipamentos e vans chegaram para levar as pessoas embora. Alguns ficaram para formar um acampamento à frente de um hotel próximo.
O exército iraquiano disse que, com a chegada da noite, todos os manifestantes haviam ido embora.
Os protestos marcam um novo momento da guerra indireta entre Washington e Teerã no Oriente Médio.
O presidente norte-americano, Donald Trump --que disputará a reeleição em 2020-- ameaçou na terça-feira retaliar contra o Irã, mas disse posteriormente que não queria guerra.
Os protestos aconteceram depois de ataques aéreos norte-americanos contra bases do Kataib Hezbollah, em retaliação a ataques com mísseis que mataram um funcionário terceirizado dos EUA no norte do Iraque, na semana passada.
Na terça-feira, a multidão cantou "Morte à América!", ateou fogo e quebrou câmeras de vigilância, além de violarem o perímetro externo da embaixada, mas sem entrarem no complexo principal.
A MAIOR EMBAIXADA DOS EUA
A enorme embaixada --construída às margens do rio Tigre na fortificada "zona verde" no centro de Bagdá durante a ocupação norte-americana depois da invasão de 2003 que derrubou Saddam Hussein-- é a maior missão diplomática norte-americana no mundo.
Washington disse que seus diplomatas estavam seguros e que estava correndo para deslocar centenas de tropas adicionais à região.
A embaixada informou que todas as operações consulares foram suspensas e todos os compromissos futuros, cancelados.
A ação anti-EUA aconteceu após meses de protestos no Iraque contra o governo e as milícias sob influência iraniana. Muitos iraquianos reclamam que o seu país se tornou um campo de batalha para uma guerra indireta de influência entre Washington e Teerã e que seus líderes são muito dependentes de potências estrangeiras.
Há muito tempo o governo iraquiano passa por atritos na relação próxima com os dois inimigos. Trump conversou com o primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi, na terça-feira, e exigiu que o Iraque protegesse a embaixada.
O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, condenou nesta quarta-feira os ataques dos EUA. O Irã convocou um enviado suíço, que representa os interesses dos EUA em Teerã, para reclamar sobre o que descreveu como palavras "bélicas" de Washington.
Trump acusou Teerã de orquestrar a violência.
Autoridades dos EUA afirmaram que 750 tropas adicionais inicialmente ficariam baseadas no Kuwait e que até 4 mil tropas poderiam ser enviadas à região nos próximos dias.
Mais de 5 mil tropas norte-americanas estão no Iraque apoiando forças locais. Os ataques aéreos estimularam pedidos dentro do Iraque para expulsá-las.
Muitos na multidão no lado de fora da embaixada disseram que encerrar a presença de Washington no Iraque era o principal objetivo.
"COVIL DO DIABO"
Apesar de décadas de inimizade entre Irã e Estados Unidos, milícias apoiadas pelo Irã e forças norte-americanas se viram do mesmo lado durante a guerra do Iraque entre 2014 e 2017 contra o Estado Islâmico, com as duas potências ajudando o governo a recuperar território dos militantes que chegaram a controlar um terço do Iraque.
Desde então, tropas dos EUA ainda não foram embora, e as milícias apoiadas pelo Irã foram incorporadas às forças de segurança.
O primeiro-ministro Adel Abdul Mahdi --que anunciou planos de renunciar diante de protestos antigoverno nos quais mais de 450 pessoas morreram-- é apoiado pelo Irã e por seus aliados.
A milícia pode ter decidido se retirar da embaixada para evitar que ele passasse a impressão de fraqueza ou para evitar conflitos com forças do governo.
Ao longo da noite (horário local), manifestantes montaram barracas e acamparam no lado de fora dos muros da embaixada e, pela manhã, trouxeram comida, equipamento para cozinhar e colchões, indicando planos de permanecer antes do pedido por retirada.
"Nosso protesto é eterno, até que o covil do diabo seja fechado para sempre, mas não dê a ninguém a desculpa para tornar a sua manifestação violenta. Não brigue com a segurança", disse um líder dos protestos ao público em um palco levantado na embaixada antes da retirada.
Jovens, alguns de uniforme, balançaram bandeiras de milícias e cantaram "Morte à América", enquanto helicópteros Apache circulavam no céu.
As paredes externas da embaixada exibiam marcas de queimaduras e pichações.
"O Iraque não é seguro para a América e seus seguidores", dizia uma delas.
(Reportagem de Ahmed Aboulenein)