PARIS (Reuters) - Uma mulher que havia sido considerada culpada pelo seu divórcio por tribunais franceses porque não fazia mais sexo com o marido venceu um recurso impetrado na mais alta corte de direitos humanos da Europa, informou o tribunal nesta quinta-feira, retomando um debate sobre direitos das mulheres na França.
Identificada como Sra. H.W. e nascida em 1955, a mulher levou seu caso à Corte Europeia de Direitos Humanos em 2021, após exaurir as vias legais da França quase uma década após o divórcio.
A corte decidiu que os tribunais franceses violaram seu direito de respeito à privacidade e à vida familiar.
"No presente caso, a Corte não pôde identificar nenhuma razão capaz de justificar essa interferência das autoridades públicas na área da sexualidade", afirmou o tribunal em comunicado.
A francesa, que casou em 1984 e teve quatro filhos, pediu o divórcio, mas contestou ser considerada culpada pelo término da relação, argumentando que era uma intromissão injusta em sua vida privada, além de uma violação de sua integridade física.
Ela alegou problemas de saúde e ameaças de violência de seu marido como razões pelas quais não teve mais relações sexuais com ele a partir de 2004.
A decisão da corte europeia ocorre em momento delicado na França após o caso Gisele Pelicot, cujo marido foi condenado por entorpecê-la e convidar dezenas de homens para estuprá-la. O caso chocou o mundo e retomou o debate sobre o direito das mulheres no país. Gisele Pelicot se tornou um ícone feminista.
Em comunicado publicado por sua advogada, Lilia Mhissen, H.W. comemorou a vitória: "Espero que esta decisão seja a virada na luta pelo direito das mulheres na França. É agora imperativo que a França, assim como outros países da Europa, tomem medidas concretas para erradicar a cultura do estupro e promover uma verdadeira cultura do consentimento e respeito mútuo”.
Mhissen disse que a decisão não tem impacto sobre o divórcio de H.W., que é definitivo. No entanto, disse, haverá um grande impacto na legislação francesa, impedindo que juízes do país tomem decisões semelhantes no futuro.
"Essa decisão marca a abolição do dever conjugal e da visão arcaica e canônica da família", disse em um comunicado. "Os tribunais finalmente deixarão de interpretar a lei francesa através das lentes do direito canônico e de impor às mulheres a obrigação de manter relações sexuais dentro do casamento."
(Reportagem de Sudip Kar-Gupta, Gabriel Stargardter e Juliette Jabkhiro; reportagem adicional de John Irish)