A crise política na Venezuela tem se intensificado após o presidente Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda), que alega ter sido reeleito no pleito que aconteceu em 28 de julho, recusar-se a estabelecer novas eleições presidenciais. A medida, sugerida pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Gustavo Petro, da Colômbia, chegou a ser apoiada pelos Estados Unidos, mas enfrenta forte rejeição de diferentes coalizões do país.
O TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) da Venezuela decidiu na 5ª feira (22.ago.2024) não divulgar as atas eleitorais das eleições de 28 de julho, que confirmaram a reeleição do presidente.
A possibilidade de haver um 2ª pleito também incomoda o candidato de centro-direita, Edmundo González Urrutia (Plataforma Unitária Democrática, centro-direita). A líder da oposição, María Corina Machado, chegou a afirmar que a convocação de novas eleições seria desrespeitoso com os eleitores.
“Vamos para uma 2ª eleição e, se não gostarem do resultado, iremos para uma 3ª? 4ª? 5ª? Até que o presidente Nicolás Maduro goste dos resultados? Vocês aceitariam isso em seus países, que, se o resultado não for satisfatório, repitam a eleição?”, questionou.
Em 2 de agosto, o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), aliado ao regime, confirmou a vitória do atual presidente com 51,95% dos votos (6.408.844 votos), contra 43,18% (5.326.104 votos) de González Urrutia. O órgão eleitoral, porém, não tornou os boletins de urnas públicos.
Seguidores da oposição defendem que Urrutia foi o verdadeiro vencedor, rejeitando a ideia de novas eleições como uma abertura para futuras manipulações que beneficiem o governo. Do outro lado, os apoiadores do governo sustentam a legitimidade dos resultados oficiais anunciados pelo CNE, descartando a necessidade de um novo pleito.
Ao Poder360, Thaís Batista, pesquisadora do OPSA (Observatório Político Sul-Americano), diz que a ideia não foi bem recebida pela própria população. “A parte que votou em Nicolás Maduro acredita que o pleito foi correto, e os que votaram em González Urrutía acreditam no resultado oferecido pela oposição“, afirma.
A ideia foi apresentada como uma solução para a crise política que abalou a Venezuela após Maduro se autodeclarar presidente. A proposta seria realizar uma espécie de 2º turno entre Maduro e o opositor.
De acordo com Stephanie Clemente, pesquisadora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é improvável que a medida seja aceita em ambos lados.
“Nesse ponto, tanto apoiadores do governo quanto da oposição convergem no posicionamento de que a consumação de novas eleições não é viável, tão pouco agradável. Afinal, a efetuação de um novo pleito não traz consigo nenhuma garantia de que a crise política seria solucionada“, explica em entrevista ao Poder360.
Para a pesquisadora, a situação na Venezuela poderia agravar-se devido à intensificação da polarização política no país. Além disso, a diplomacia com Brasil e Colômbia, já em situação delicada, poderia decair mais.
Diplomacia na Venezuela
Thaís Batista avalia que a diplomacia venezuelana com Brasil e Colômbia, parceiros importantes, está em declínio devido à radicalização no discurso de Maduro, o que implica no não-reconhecimento imediato de sua vitória por Brasília e Bogotá. Ainda assim, o risco de rompimento nas relações é baixo.
“A medida que Maduro continuar com a posição de não reconhecer a possibilidade de um novo pleito, tomando ações de endurecimento do regime, repressão de protestos e perseguição à opositores, acredito que as relações com Brasil e Colombia vão ficar cada vez piores“, diz.
As declarações recentes de Lula e Petro não foram bem-recebidas por Maduro, mas os países ainda têm papel de conciliação importante. Stephanie Clemente acredita que a proposta de novas eleições foi usada para que os líderes ganhem tempo para propor outra resolução.
O presidente venezuelano adotou um tom duro contra os países que não reconheceram sua vitória. Em 15 de agosto, rejeitou a proposta de novas eleições e acusou Washington de “tentar se tornar a autoridade eleitoral da Venezuela”.
Apesar de Biden ter declarado apoio à realização de novas eleições, as pesquisadoras acreditam que há pouca possibilidade de uma intervenção dos EUA no país sul-americano. A proximidade da posse de Maduro e a transição de administração nos Estados Unidos limitam as oportunidades para tal intervenção.
“Mesmo que possa haver uma mudança de postura dos Estados Unidos em relação à Venezuela, a possibilidade de intervenção em Caracas é remota, posto que, após a provável tomada de posse de Maduro, se tornará sem sentido a proposta de realização de novas eleições“, afirma Stephanie Clemente.
Violência
As novas eleições na Venezuela contribuiriam para o aumento da violência política no país, tendo em vista o embate direto entre grupos opostos. Para Clemente, a disputa se intensificaria com a “guerra de narrativas” entre governo e a PUD.
Thaís Batista ainda alerta para o risco de prisão ou exílio enfrentado por figuras da oposição, principalmente tratando-se de Edmundo González Urrutia e María Corina Machado. “Caso o governo Maduro endureça cada vez mais a posição de perseguição a opositores, é posivel que haja o exílio desses persongens“, explica.
O TSJ (Tribunal Supremo de Justiça) da Venezuela afirmou que Urrutia poderá enfrentar sanções por não comparecer às etapas do processo de investigação sobre o processo eleitoral. Em 17 de agosto, María Corina pediu para que as Forças Armadas do país cumpram seu “dever constitucional” e reconheçam a vitória da PUD, partido de Urritia.
A escalada do confronto entre as partes políticas permanecem em impasse no país. “É muito difícil que haja uma ação, hoje, na Venezuela que não impulsione esse confronto“, afirma Thaís Batista.
A estagiária Ana Mião produziu essa reportagem sob supervisão da secretária de Redação assistente, Simone Kafruni.