Por Byron Kaye
SYDNEY (Reuters) - O representante da rainha Elizabeth na Austrália demitiu um primeiro-ministro sem avisar ao palácio --ou ao primeiro-ministro-- porque "segundo a Constituição a responsabilidade é minha", de acordo com cartas arquivadas divulgadas nesta terça-feira.
Em um despacho de 11 de novembro de 1975, o governador-geral John Kerr afirmou ao secretário particular da rainha que ele havia dado um passo sem precedentes para exonerar o então primeiro-ministro australiano, Gough Whitlam, conforme Whitlam se preparava para encerrar um impasse orçamentário de meses, convocando uma eleição parcial para o Senado.
"Decidi dar esse passo... sem informar ao Palácio com antecedência", escreveu Kerr ao ex-secretário particular Martin Charteris no dia da demissão de Whitlam.
"Era melhor para Sua Majestade não saber antecipadamente, embora seja... meu dever contar imediatamente", acrescentou Kerr, de acordo com os documentos.
A divulgação das chamadas 211 "cartas do palácio" tira o véu sob um dos grandes mistérios da política australiana e pode reacender uma discussão sobre se o país deve cortar os laços com o Reino Unido e se tornar uma República.
A exoneração de Whitlam continua sendo um dos eventos políticos mais polarizadores do país porque representou um nível sem precedentes de intervenção da Commonwealth (Comunidade das Nações).
Os historiadores dizem que o país nunca soube a história completa e, em 2016, um historiador moveu uma ação judicial contra os Arquivos Nacionais da Austrália para obter acesso a cartas entre Kerr e a rainha. A ação fracassou, com base na alegação de que as cartas eram privadas, mas a Suprema Corte anulou a decisão em maio.
As cartas mostram que Kerr e o Palácio de Buckingham discutiram a crise política que assolava o país e o papel de Kerr no processo, dois meses antes da demissão de Whitlam, enquanto o primeiro-ministro tentava conseguir com que o Parlamento aprovasse seu orçamento.
Seus esforços foram recompensados, pelo menos pelo palácio. No dia seguinte à demissão de Whitlam, Charteris parabenizou Kerr por seu julgamento.
"Ao não informar à rainha o que você pretendia fazer antes de agir, você agiu não apenas com perfeita propriedade constitucional, mas também com consideração pela posição de Sua Majestade", escreveu ele.