Víctor Escribano.
Pequim, 3 jan (EFE).- Na capital da segunda maior economia mundial, diversos triciclos percorrem as ruas carregados de resíduos para serem vendidos nos centros de reciclagem dos arredores, uma imagem curiosa que pode estar com os dias contados.
A ausência de um serviço municipal de reciclagem em Pequim deu vida a um sistema informal alternativo no qual milhares de homens e mulheres de todas as idades recolhem plástico, vidro, metal, aparelhos eletrônicos, papel e papelão para ganhar a vida.
Dongxiaokou é uma região do distrito de Changping, no norte de Pequim, não muito longe da Vila Olímpica, e à primeira vista pode se assemelhar a outras áreas da cidade, com amplas avenidas transitadas por vários veículos e grandes edifícios residenciais recém-construídos.
No entanto, após meia hora de caminhada pelos setores mais modernos a paisagem muda completamente: edifícios em ruínas, ruas com poeira acumulada, carros abandonados e pessoas fazendo buscas entre os escombros do que até pouco atrás era um dos maiores centros de reciclagem da cidade.
O mercado de Fuyouxinyuan, dedicado principalmente a papelão, plástico e lixo eletrônico, absorvia até 25% dos resíduos recicláveis desta aglomeração de 21,7 milhões de habitantes e dava emprego a cerca de 30 mil pessoas, mas as autoridades decidiram fechar o local, que está em fase final de demolição.
Um funcionário do governo do distrito disse à Agência Efe que a poluição foi a principal causa do fechamento e explicou que o risco de incêndios e intoxicações por monóxido de carbono era alto demais.
Entre os escombros dos pequenos edifícios do local, de quase 90 mil metros quadrados, é possível encontrar CDs quebrados, garrafas vazias, revistas velhas e amianto, que é altamente cancerígeno.
Enquanto o vento desprende parte das fibras desse material, um dos homens que faz buscas entre os escombros do lugar onde costumava trabalho confirma as suspeitas: "Sim, é amianto".
Essas pessoas podem dedicar até 12 horas diárias ao trabalho para ganhar cerca de 3 mil iuanes (R$ 1,4 mil) mensais. Por cada quilo de papel levado aos centros de reciclagem eles recebem 1,5 iuan (R$ 0,70).
Wang, um dos poucos que resistem a parar, explica que há 28 anos ganha a vida com o lixo e diz com resignação que não resta outra opção a não ser voltar para seu lugar de origem, situado na província de Henan, no centro do país.
A maioria dos trabalhadores da reciclagem informal de Pequim chega de províncias menos desenvolvidas e só sabem ganhar a vida recolhendo e vendendo resíduos recicláveis. Grande parte deles, em muitos casos famílias completas, teve que retornar a seus locais de origem.
"Por que o governo não nos deixa reciclar?", se pergunta Wang. Embora este trabalhador pense que o governo deixou de acreditar na reciclagem, os planos da China passam por renovar o modelo produtivo do país para se adaptar à economia circular, baseada em alongar a vida de produtos e reutilizar os resíduos.
Muitas pessoas do meio dizem que as autoridades de Pequim têm planos de se encarregar da reciclagem com os próprios meios. Outro reciclador, que recolhe papel e papelão, acredita que a empresa para a qual trabalha se integrará a um consórcio municipal a médio prazo, um projeto que não foi confirmado pelas autoridades.
"Ocorrerá por volta de 2020, mas ainda não é certo", afirmou o trabalhador.
Aqueles que não quiseram voltar a seus lugares de origem foram para Xiaotangshan, uma região ainda mais afastada do centro de Pequim, onde continuarão se dedicando à reciclagem por enquanto.
A realocação dos mercados de reciclagem informal, cada vez mais longe do centro, é uma constante nas grandes cidades chinesas e dificulta o trabalho dos recicladores, o que "reduz as taxas de reciclagem totais" destas localidades, segundo Judy Li, especialista em sustentabilidade urbana.
Outros, no entanto, ainda não sabem o que farão quando terminar a destruição do complexo que os permitiu ganhar a vida nos últimos anos.