KATHMANDU, 26 Abril (Reuters) - Quando Khile Sherpa abriu os olhos, a neve em sua volta não era branca e sim bem vermelha, encharcada do sangue que escorria dos vários cortes de seu corpo após a avalanche que o atingiu em cheio em acampamento no Monte Everest, por volta do horário de almoço do sábado.
Khile foi um dos 15 sobreviventes que foram transportados do Everest até a capital do Nepal, Kathmandu, depois que um forte terremoto atingiu o Nepal um dia antes matando mais de 2.460 pessoas, sendo pelo menos 17 delas na avalanche que balançou o cume mais alto do planeta.
"Foi um som monstruoso, como se demônios tivessem descido das montanhas", disse Khile à Reuters, com uma bandagem que cobria metade de seu rosto.
Como centenas de outras vítimas do terremoto, o rapaz de 20 anos estava esperando por tratamento do lado de fora do superlotado hospital da Faculdade de Medicina de Kathmandu.
O guia montanhista recordou do momento em que ele havia acabado de servir almoço a um grupo de alpinistas estrangeiros em um acampamento na altitude, quando ele ouviu o rugido vindo da encosta.
Segundos depois, uma vasta nuvem de neve e pedregulhos tomou o lugar de assalto e ele permaneceu desmaiado por, estima Khile, cerca de uma hora.
Um time de médicos o encontrou sangrando na neve com um ferimento na cabeça. Khile recebeu uma bandagem e foi levado para ser abrigado em uma barraca pertencente a um grupo de excursão chamado Seven Summit.
Khile era um dos cerca de 1.000 alpinistas e guias sherpa no Everest quando a primeira avalanche atingiu-os e consolidou este que é o maior desastre na montanha mais alta do mundo.
"EXPLOSÃO NUCLEAR"
O alpinista norte-americano Jon Kedrowski disse em seu blog no acampamento que o terremoto rompeu um "enorme trecho recortado" de gelo de um cume que deslizou, criando um vento com força de furacão que assoprou pessoas e barracas a uma distância de cerca de 30 metros.
Outro alpinista disse que uma grande parte do acampamento parecia como se tivesse sido atingida por uma "explosão nuclear".
No domingo, outro tremor fez com que pedras e gelo atingissem novas bases na montanha.
"Mais um, nós estamos enfrentando mais um tremor neste momento! Merda!", gritou o alpinista indiano Arjun Vajpai, enquanto falava com a Reuters pelo telefone do acampamento de Makalu próximo ao Everest. "Avalanche!"
Gritos e o rugido da neve caindo podiam ser ouvidos do outro lado da linha enquanto Vajpai falava.
O desastre de sábado aconteceu apenas alguns dias após o primeiro aniversário de uma avalanche no Everest que matou 16 guias nepaleses.
Aquele acidente, até então o pior da história do Everest, levantou questões a respeito do perigo pelo qual passam guias locais mal pagos que todos os anos colocam a vida em risco para ajudar milhares de alpinistas estrangeiros a conquistarem seus sonhos.
Desta vez, as mortes foram parte de uma catástrofe ainda maior, mas para alguns guias sherpa que vivem do trabalho no Everest e em outras montanhas do Himalaia no Nepal, os perigos agora devem pesar mais que os benefícios.
Pemba Nurbu Sherpa, 34, era parte de um time internacional que incluia sul-americanos e indianos.
"Nós perdemos tudo. Água, equipamento, barracas. Tudo o que restou foram essas roupas que você vê", disse ele, apontando para sua jaqueta de alpinismo já gasta.
Pemba, que também sofreu um ferimento na cabeça, disse que insistiu em trabalhar na expedição, embora a tragédia do último ano tenha tornado sua decisão impopular entre os familiares. Ele disse que esta vez, sua terceira na montanha, poderia ser a última.
"É muito arriscado. Havia pressão da minha família para não vir. Mas eu vim apesar das objeções."
ALPINISTAS AINDA MOSTRAM ENTUSIASMO
Nem todo mundo fica amedrontado com os perigos da montanha. Vajpai, 22, sobreviveu às avalanches que atingiram seu acampamento em Makalu, a quinta maior montanha do mundo a apenas 20 quilômetros do Everest.
Isso lhe deu algum tempo para pensar, mas o jovem montanhista que escalou o Everest quando tinha apenas 16 anos decidiu não abandonar a excursão.
"Nós vamos continuar se a temperatura deixar", disse ele à Reuters pelo telefone. "Fazer montanhismo como um esporte é aquilo: você sabe de antemão que pode voltar ou não para casa. É uma linha tênue."
Como Khile, para a alpinista chinesa Mali Yamu, 45, continuar não é uma opção por ora. Ela está deitada no chão do hospital da Faculdade de Medicina e mal consegue falar devido a uma lesão na costela.
Os dois foram levados do acampamento para o tratamento em Kathmandu, mas a situação em si era precária.
"Eu estou OK, sinto dor no meu lado esquerdo", disse Yamu, sem muita força, em inglês. Momentos mais tarde, novos tremores atingiram a região e todo mundo, incluindo doutores e enfermeiras, correram do hospital de três andares.
Ainda com seus equipamentos de alpinismo, Yamu foi levada para fora do local em cadeira de rodas e transferida para uma barraca cheia de pacientes e suas famílias.