Análise de ações por correlação: O estudo de caso da Maersk

Publicado 31.07.2025, 06:05

Bom dia, Pessoal! O artigo de hoje foi coescrito com Camila Affonso, sócia do Leggio Group, e Joseph Boukai, consultor do Leggio Group. O Leggio Group é especializado em avaliações de empresas e negócios logísticos, de modo que minha intenção é trazer para vocês assuntos específicos, porém relevantes, desta área.

Na maior parte das vezes, investidores e analistas avaliam ações de empresas com base em métricas tradicionais de valuation, como por exemplo fluxo de caixa descontado, valor patrimonial e análise por múltiplos. Mas e se olhássemos por outro ângulo? Neste artigo, propomos aqui uma análise alternativa e objetiva: a correlação direta entre o preço das ações da gigante marítima Maersk (CSE:MAERSKb) e as tarifas dos fretes marítimos de contêineres, a fim de tentar entender os movimentos das cotações desta ação pela dinâmica tarifária do mercado. Vamos lá?

Dentro do mercado portuário de contêineres existem três principais atores que exercem influência na cadeia. Primeiramente, os embarcadores, que são os proprietários ou comercializadores da mercadoria que necessitam transportar as cargas ao longo das cadeias de suprimento, mais especificamente do local em que o produto é produzido até seu respectivo ponto de consumo. Em seguida, os armadores, que operam no mercado mundial e são responsáveis pelo transporte marítimo de cargas, sendo os donos dos navios e dos contêineres utilizados nas operações. E por fim, temos os operadores portuários, que se tornam parte de cadeias de suprimento globais e são responsáveis pela prestação dos serviços aos dois primeiros.

Para o mercado de armadores, setor em questão, as tarifas de frete representam sua base de receita, uma vez que estes são os preços cobrados para transportar contêineres entre regiões e países em rotas específicas. Estes preços são normalmente definidos por diversas condições de mercado, tais como demanda global e capacidade operacional. De forma natural, espera-se uma correlação entre essas tarifas e as receitas de armadores bem como, seguindo a lógica, entre receitas e fluxo de caixa livre, o que forma a base para o valuation por fluxo de caixa descontado. Desta maneira, há de se esperar alguma correlação entre tais tarifas e o preço da ação de um armador relevante do mercado. A grande questão é se o nível desta correlação permite uma análise adequada e é exatamente isto que este artigo busca verificar.

Para o nosso exemplo prático, escolhemos a Maersk por ser uma das maiores empresas de transporte marítimo do mundo, com presença operacional em mais de 130 países. A empresa é verticalizada, atuando desde o transporte até a logística integrada. Uma de suas principais rotas comerciais está exatamente no eixo Ásia - América do Norte, que será a nossa rota escolhida como proxy do mercado, mais especificamente a rota entre Los Angeles (EUA) e Shanghai (China). Além disso, a Maersk está listada publicamente na bolsa de Copenhagen na Dinamarca e seus dados são amplamente disponíveis, o que viabiliza este tipo de estudo empírico.

Para os dados de frete marítimo, foi utilizada a base pública “Container Ocean Freight Rates” da plataforma do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Este conjunto de dados fornece uma amostra das tarifas spot de frete marítimo, extraídas do serviço Container Freight Rate Insight da Drewry Supply Chain Advisors, apresentando mensalmente as tarifas médias de transporte marítimo em rotas relevantes, como a U.S. West Coast (Los Angeles) – Shanghai para containers de 20ft e 40ft, com metodologia clara e dados consolidados de fontes confiáveis do setor privado. Essa fonte é amplamente utilizada no setor logístico, tanto por operadores quanto por analistas.

A análise do preço das cotações das ações da Maersk em DKK (coroa dinamarquesa) e do frete marítimo na rota especificada já instigam uma tendência de correlação interessante, como mostrado no gráfico a seguir.

Com base nestes dados, rodamos um teste de regressão linear no período de Janeiro/2016 a Dezembro/2024, para entendimento da relação entre estas variáveis. Os resultados obtidos foram uma correlação de 85,4% e um R² de 72,9%, indicando que aproximadamente 73% da variação no preço da ação da Maersk pode ser explicada pela cotação deste frete. Tais valores sugerem uma correlação significativa. O coeficiente angular de 0,0106 sugere que a cada aumento de 100 dólares no valor do frete spot na rota Los Angeles–Shanghai faz com que, em média, o preço da ação da Maersk se valorize em aproximadamente DKK 1,06 (Coroas Dinamarquesas).

Além disso, o baixo p-valor obtido menor que 0,0001 (8,2x10-23) confirma a alta significância estatística da variável explicativa, com mais de 99,99% de confiança. O erro padrão da regressão, igual a 2,00 DKK, mostra que o modelo possui precisão satisfatória nas estimativas, enquanto o F-estatístico de 284,95 reforça que a variabilidade explicada pela regressão é muito mais relevante do que aquela atribuída ao erro residual.

Esses resultados, em conjunto, indicam que o modelo é estatisticamente robusto para capturar a relação entre as duas variáveis analisadas. Assim, essa relação estatística, embora simplificada, revela uma forte sensibilidade deste ativo frente às dinâmicas tarifárias do setor. Isso reforça a ideia de que, em setores cíclicos e dependentes de demanda global, métricas de mercado podem antecipar movimentos de preço de ativos financeiros. Para o investidor atento, acompanhar estes comportamentos pode ser uma ferramenta complementar poderosa ao arsenal tradicional do valuation.

Vale destacar que a metodologia aqui aplicada, baseada na regressão estatística entre variáveis de mercado e o preço de ativos, também pode ser estendida a outros contextos e companhias. Por exemplo, empresas com alto nível de endividamento podem ser analisadas em função da evolução da taxa de juros, avaliando o impacto de ciclos de alta ou baixa da SELIC, dos contratos de DI futuros ou mesmo da curva de juros de longo prazo. O aumento nestas taxas pressiona o custo do capital, especialmente aquelas que possuem grande parte de seu capital atrelado a dívidas, reduzindo o lucro líquido e, consequentemente, afetando o valuation e a cotação das ações. Por exemplo, uma empresa com R$ 5 bilhões em dívida atrelada ao CDI que vê a Selic subir de 10% para 15% terá um aumento significativo em sua despesa financeira anual, pressionando seus lucros e consequentemente, sua avaliação pelo mercado.

É imprescindível reforçar que a análise aqui apresentada não constitui recomendação de investimento. A variável que analisamos não é a única a impactar o preço da ação em questão; outros fatores, como custos operacionais, taxas de câmbio, políticas ambientais e conflitos geopolíticos, também podem influenciar significativamente o desempenho desses ativos. Além disso, o modelo foi propositadamente simplificado para fins didáticos, utilizando uma única variável explicativa (o frete da rota especificada). Em contextos reais, é fundamental considerar múltiplas variáveis para uma análise mais robusta. Um ponto adicional é que análises como esta podem ser úteis tanto para previsões de mercado quanto para explicações e melhor entendimento de eventos passados. Compreender essa distinção é parte essencial da competência de um analista de investimentos.

Fiquem à vontade para comentar abaixo ou em minhas redes sociais (@carlosheitorcampani)! Seu feedback, sempre com respeito, é importante demais! Forte abraço a todos vocês.

* Carlos Heitor Campani é PhD em Finanças, Certificado pelo CNPI e Pesquisador da ENS – Escola de Negócios e Seguros. Além disso, ele é Diretor Acadêmico da iluminus – Academia de Finanças e Sócio-Fundador da CHC Finance e da Four Capital. Campani pode ser encontrado em www.carlosheitorcampani.com e nas redes sociais: @carlosheitorcampani. Esta coluna sai a cada duas semanas, sempre na quinta-feira.

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