Nos últimos dias tenho ouvido muito de investidores e até de pessoas ligadas ao mercado que esse processo de recuperação dos mercados de risco pós-crise da Covid-19 não tem respaldo técnico que justifique. Função disso, passei a tentar justificar o momento presente dos mercados, e sempre chego à conclusão de que tem respaldo sim, fazendo apenas o adendo para a volatilidade intensa que mete medo, e também para possibilidades abertas, como, por exemplo, a incidência de uma segunda onda de contágio e crescimento dos óbitos pelo vírus, do qual não estaremos livres, antes que surjam vacinas ou medicamentos para tratamento.
Na minha visão, o que sempre move os mercados são fatores como expectativa das economias e performance das empresas nesse contexto, taxa de juros real e, claro, fluxo de recursos canalizado para determinados ativos. Existem certamente outras motivações, mas são menos determinantes.
Pois bem, na minha visão, boa parte da expectativa com relação ao desempenho das economias está dado. Todos os investidores assumiram que o segundo trimestre de 2020 será mesmo horrível, mas há um quase consenso que a partir daí os países desenvolvidos possam recuperar. Só para ilustrar, a China, que causou toda essa pandemia, já começa a mostrar indicadores de atividade industrial evidenciando expansão. Mas destaco que quase ninguém projeta recuperação em “V” para nenhum país. De qualquer forma, há a expectativa que já a partir do terceiro trimestre teremos sinais mais positivos de recuperação. Claro que isso vai se refletir na performance e resultados das empresas que conseguirem melhor atravessar esse cataclismo mundial.
Avaliando pelo lado das taxas de juros praticadas, me arrisco a dizer que o mundo nunca assistiu a taxas tão baixas, seja no plano real ou nominal. Acrescento que muitos países hoje estão com taxas nominalmente negativas e quase todos com taxas reais extremamente baixas. Nem mesmo o Brasil, que foi por décadas campeão em juros, consegue manter a atratividade. Novamente me arrisco a dizer que essa situação de juros baixos seguirá ainda por muitos meses, antes que a inflação comece a dar sinais e bancos centrais enxuguem os mercados.
Olhando pelo prisma da liquidez do sistema financeiro global, também parece quase absurdo o que foi feito. Em outras crises pretéritas, a motivação foi sempre econômica ou intrínseca ao próprio sistema financeiro (vide a recente crise do Subprime em 2008). Essa crise, apesar de ser sanitária, acabou produzindo impactos inusitados nas economias, ao ponto de o FMI ter declarado que 127 países terão PIB negativo em 2020. Consequência disso, os bancos centrais e governos produziram flexibilizações monetárias e fiscais insuperáveis. Novamente para ilustrar, na crise de 2008 o FED expandiu seu balanço para pouco mais de US$ 5 trilhões, enquanto nessa já ultrapassa os US$ 7 trilhões e, pelo andar da carruagem, pode chegar à marca de US$ 12 trilhões.
Nesse mesmo rol de esforço colocamos muitas economias, como as da Alemanha, do Japão, de algumas menos votadas da zona do Euro, como França, Itália e Espanha; e de países nórdicos. O Brasil, mesmo sem ter qualquer folga fiscal (muito pelo contrário), também fez enorme esforço fiscal e monetário, mas terá que ter muito cuidado para não incorrer nos mesmos erros de governos passados de seguir com políticas anticíclicas e estímulos continuados. Ou seja, vamos precisar retomar todas as reformas sobejamente conhecidas e aqui analisadas e até aprofundar, para limpar todo o “esforço de guerra” realizado.
Com esse quadro definido e a situação das empresas um pouco mais clara pelos demonstrativos do primeiro trimestre, e tendo ainda ocorrido deterioração de preços dos ativos acima do esperado, nada mais justo do que investidores aumentem o apetite ao risco, para buscar melhor remuneração para seus investimentos e com um pouco mais de segurança. Porém, tenho certeza que ainda vamos ter muita volatilidade pela frente, o que exigirá sangue-frio dos investidores.
Por aqui ainda mais, pois temos todos os riscos políticos que também vão permanecer presentes, agregando sustos relevantes. Resumindo, existem sim razões para a recuperação recente dos mercados, mas a retomada mais difícil da economia por aqui limita o retorno dos ativos aos patamares anteriores ao da crise.
Concordam ou discordam e por quê?