Hoje, muito se fala sobre dividendos. Há muita coisa boa por aí. E há também uma infinidade de bobagens. Precisamos separar o joio do trigo.
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Falamos aqui de cinco fatos estilizados sobre estratégias de renda.
1. Só o dividendo importa
Existe uma corrente meio heterodoxa tentando desqualificar estratégias focadas em ganho de capital, favorecendo exclusivamente abordagens de dividendos.
Tenho dois problemas com essa perspectiva. A primeira porque ela pressupõe uma superioridade moral e intelectual de uma coisa sobre a outra. Presume algo como: “não somente a minha estratégia funciona, como ela é a única que funciona.” O mercado é tipo “O Bar”, do Roger Waters, admite várias matizes diferentes. Não é porque você tem um método para ganhar dinheiro que ele seja o único método disponível e eficiente.
O segundo ponto é que o argumento fere princípios aritméticos claros. O seu dividendo é função do seu patrimônio. Há uma relação monotônica entre as coisas. As empresas anunciam x reais por ação em forma de provento. Os fundos imobiliários distribuem y reais por cota. Os títulos de renda fixa pagam z% de cupom de acordo com o montante investido.
A estratégia voltada a dividendos pode funcionar (e de fato funciona quando bem feita), mas ela não é indissociável do patrimônio. Aliás, dinheiro não tem carimbo.
2. O dividendo não importa
No outro extremo, há aqueles que tentam desqualificar por completo os proventos. “Como o dividendo sai do preço da ação, não faz diferença”, argumentam.
Isso também não é verdade. Distribuição de dividendos e juros sob capital próprio permite otimização da estrutura de capital e tributária das companhias, levando a um maior valor justo para as respectivas ações ou cotas de fundos imobiliários.
Ela também confere liquidez e flexibilidade ao investidor, que pode fazer o que quiser com aquela renda, incluindo reinvestir no mesmo ativo. Também reduz o risco do investimento, porque altera o duration (prazo médio dos fluxos de caixa). Parte do dinheiro que você teria lá na frente acaba sendo embolsado antes.
Lembre ainda que, ao menos por enquanto, os dividendos não são tributados, o que lhe confere quase uma arbitragem fiscal frente ao ganho de capital.
3. Foque no yield
Esse é um dos erros mais clássicos do investidor. O sujeito entra num site de finanças qualquer e ordena as ações pelas maiores pagadoras de dividendos do(s) último(s) exercício(s). O problema é que não há qualquer garantia que uma boa pagadora de dividendos ontem o continuará sendo amanhã.
Aqui, existe um risco tremendo de incorrermos num value trap, ou seja, comprarmos uma armadilha de valor enquanto achamos estar comprando um ativo de valor propriamente dito.
Em muitas situações, um dividendo muito alto pode esconder um fim de ciclo ou de uma concessão, por exemplo. O dividendo é parte do lucro da companhia e, acima do prescrito em estatuto ou na lei das SAs, deriva da decisão da empresa de não manter aquela grana em caixa para fazer um investimento. Se ela está pagando um dividendo muito gordo ao acionista, é porque está dizendo tacitamente não dispor de nenhum outro projeto com retorno projetado superior ao que o investidor pode ter em outras alternativas a partir da sua liquidez.
O sujeito compra um determinado dividendo e entrega tudo numa eventual perda patrimonial, porque, sei lá, uma transmissora de energia está agora encerrando o período da sua concessão.
Muita gente interpretou a última carta da gestora Squadra como um veredicto negativo sobre a indústria de fundos imobiliários. Não foi a minha visão. Li o documento como uma crítica muito pertinente aqueles fundos que utilizam artimanhas contábeis para distribuir um dividendo superior à sua capacidade estrutural. O yield muito alto de curto prazo atrai o investidor pessoa física num primeiro momento. E a coisa fica feia quando chegamos no segundo capítulo da história. Você precisa conhecer a fundo aquilo que está comprando, muito além do yield.
Você pode até olhar o yield, mas esse é o começo da análise; nunca o fim.
4. Dividendo é sempre a melhor estratégia
Se você entendeu bem o ponto anterior, esse aqui sai como corolário. Se a empresa dispõe de projetos muito rentáveis a fazer, o ideal é o investidor não receber dividendo nenhum e continuar aplicado a uma taxa interna de retorno muito maior nos ativos reais daquela companhia.
Toda vez que uma empresa de altíssimo retorno sobre o capital investido paga um dividendo, ela retira do investidor a capacidade de, com aquele dinheiro, continuar exposto àqueles projetos de altíssima rentabilidade.
Não conseguir reaplicar a grana na mesma taxa interna de retorno original faz cair seu retorno consolidado.
5. Dividendo serve igual para todo mundo
De fato, o dividendo serve a todo e qualquer investidor. Construir outras fontes de renda passiva ajuda muito na construção patrimonial a longo prazo, além de suavizar os ciclos ruins (porque pinga um dinheiro extra, que inclusive pode ser usada para comprar coisas que ficaram muito baratas na hora do pânico) e representa uma estratégia mais conservadora e de menos risco.
No entanto, a escolha entre ganho patrimonial ou recebimento de dividendo é algo de foro íntimo, que deve obedecer ao horizonte temporal do investimento, às preferências de ponderação entre risco e retorno e ao tamanho do patrimônio. Ao investidor iniciante, não será necessariamente eficiente replicar estratégias adotadas por alguém com alguns bilhões de reais, cujo dividendo mensal ultrapassa dezena de milhão de reais. Preferências pessoais e situações patrimoniais diferentes requerem estratégias diferentes.
No final, entre uma coisa ou outra, não há certo ou errado, existem escolhas, com benefícios e renúncias de cada uma delas.
Com a Selic caindo, estratégias de renda costumam ganhar apelo. Ao mesmo tempo, a inflação global (e local) tende a ser superior nos próximos anos, de forma mais estrutural. Ter uma fonte de renda passiva ajudando na preservação ou na melhora do seu poder de compra pode ser simplesmente decisivo.