Dia de Maldade
Já ouviram o áudio? É genial.
É dia de maldade nos bancos de investimento que auxiliam as empresas em seus processos de IPO.
Dia de fazer apresentação de powerpoint, de prometer crescimento, de "ajustar" o lucro, de sumir com despesas, de inventar vantagem competitiva, de esquecer da Lava-Jato, de enfeitar a noiva, ...
De fazer IPO.
Estamos, definitivamente, em um bull market.
Cuide muito bem de seu rico dinheirinho.
O Banco de Minas Gerais
O Banco de Minas Gerais, ou BMG (BMGB4 ou BMGB11) está fazendo sua oferta pública inicial de ações (IPO).
Aproveitando a onda de bancos digitais e disrupção, BMG vem com seu Full Digital Bank – seja lá o que isso quer dizer.
O BMG é um banco de crédito consignado que quer se vender como banco digital.
E o mais preocupante: BMG não vem barato.
O que é um bom negócio?
Vamos dar um passo atrás.
Bancos são um ótimo negócio. O próprio Warren Buffett nos conta o porquê: “Foque no retorno sobre patrimônio e não no lucro por ação”.
O velhinho é genial.
Os bancos são conhecidos no Brasil, e no mundo, por enormes retornos sobre o patrimônio (ROE ou return on equity).
Basicamente, os bancos são ótimos em remunerar o capital do acionista. Quanto mais investem, mais lucram (ROE). Por isso o ROE elevado e estável dos bancos.
ROE elevado significa alta lucratividade, acionistas satisfeitos, barreiras de entrada e, claro, bom negócio.
Os bancões Itaú (SA:ITUB4) (ITUB4 ou ITSA4), Bradesco (SA:BBDC4), Santander (SA:SANB11) e Banco do Brasil (SA:BBAS3) possuem ótimo ROEs acima de +15 por cento.
Enquanto isso, BMG (linha verde) luta, nos últimos anos, para chegar em +9 por cento.
Por quê?
Como funciona um banco de crédito?
Os grandes bancos possuem outros negócios fora crédito (seguridade e serviços) que são muito mais lucrativos do que crédito.
Mas vamos focar apenas no BMG.
Basicamente, o banco de crédito pega dinheiro emprestado de uma pessoa e empresta para outra.
O ideal é que o banco pegue emprestado barato (custo de captação) e empreste caro (taxa elevada).
Neste negócio, quem consegue captar dinheiro barato tem uma vantagem competitiva enorme – o negócio de crédito é commoditizado.
E você emprestaria dinheiro para o BMG ao mesmo preço (taxa de juros) que empresta ao Itaú?
Claro que não. Logo, o BMG possui um custo de captação muito mais alto do que os bancões.
Os bancos emprestam às mesmas taxas (aproximadamente), mas o custo de captar dinheiro do BMG é muito maior.
E isso explica, em parte, por que o BMG não possui um ROE no mesmo patamar dos bancões. Mas isso pode mudar?
Os IPOs dos bancos pequenos em 2007
Permita-me voltar um pouco na história. A nosso último bull market.
Lá, como hoje, as regras anteriores não valiam mais, o mercado subiria para sempre, o Brasil estava decolando e os IPOs eram enormes oportunidades de investimento.
Mas, vejamos como foi a performance dos bancos que abriram capital em 2007:
Tivemos Banco Indusval (IDVL4), Banco Pine (PINE4), Banco Pan (BPAN4), Paraná Banco (PRBC4), Banco Sofisa (SFSA4), Banco Cruzeiro do Sul (CZRS4) e Banco Daycoval (DAYC4).
Na época, todos os bancos pequenos iriam roubar mercado dos grandes. A rentabilidade dos bancões era elevada demais – alvo "fácil" para os banquinhos mais ágeis.
Mas, tirando o Paraná Banco, muito mais conservador e que fechou seu capital, puxando as ações para cima, os outros bancos pequenos tiveram um histórico "difícil" na bolsa.
O Banco Pan (SA:BPAN4) se recuperou recentemente vendendo que é "Banco Digital", mas os outros acumulam perdas significativas nos últimos 12 anos de mercado.
O problema fica, ainda, mais óbvio quando colocamos os bancões no gráfico:
Nos últimos 12 anos, enquanto os bancos grandes subiram entre +270 e +450 por cento (Santander (SA:SANB11) só abriu o capital em 2009), os bancos pequenos ficaram entre -9 por cento e -94 por cento.
Mais dinheiro (IPO) salva o BMG?
Voltamos ao ponto anterior, o ROE (rentabilidade) de BMG pode subir? A longo prazo, só isso importa.
Para isso, vamos analisar o negócio do BMG – cartão de crédito consignado.
O BMG opera onde os outros bancos não querem operar – consignado via "pastinhas".
Os pastinhas são agentes terceirizados que batem à sua porta oferecendo o cartão de crédito consignado e outros produtos financeiros – nada menos digital do que alguém batendo portas com pastinhas.
A margem (spread) de crédito no consignado é reduzida – tão reduzida que não vale a pena para o BMG abrir agências ou ter funcionários próprios.
O próprio ex-presidente do BMG disse ao Estadão em 2017: "Há quatro anos, 60 bancos vendiam consignado, hoje são 6".
O BMG opera onde os outros bancos não querem operar, onde a margem é baixa demais para os grandes.
O BMG apresenta lucros crescentes
Sim, mas apenas marginalmente:
O grande prejuízo de 2012 foi causado por perdas com crédito que fez o BMG repensar seus controles e firmar uma parceria (Joint Venture) com o Itaú (SA:ITUB4).
O lucro contábil do BMG é o acima. Mas, para o IPO, o banco fez ajustes em seus resultados que elevaram seu ROE de, baixos, +9 por cento para, atrativos, +13,5 por cento.
O Banco chama o lucro ajustado de "lucro recorrente".
Basicamente, o banco adquiriu instituições financeiras e precisou fazer ajustes contábeis que reduzem seus lucros.
Como o BMG quer mostrar lucros maiores, ele fará este ajuste de +22 milhões de reais, por trimestre, em seu lucro até julho de 2021.
O valor é bastante relevante para os resultados do banco – representa 38 por cento dos lucros dos últimos 12 meses.
Pastinhas a preço de Fintech
Olhando o preço que BMG vem a mercado, a coisa complica ainda mais.
BMG, o banco dos pastinhas, quer ser negociado a preço de banco digital.
No centro da faixa, BMG é o mais caro dos bancos "analógicos" (bancões) e os "semidigitais" (BTG (SA:BPAC11) e BPAN), mas mais barato que o Banco Inter (SA:BIDI4) (a bolha?).
Organizamos a tabela abaixo por Preço/Lucro.
Olhando o "lucro recorrente", o BMG estaria precificado entre BPAN e BTG (SA:BPAC11). E BMG tem mais coisas em comum com os dois bancos.
Risco de Lava Jato
O BMG teve problemas jurídicos por dois empréstimos, que somam 12 milhões de reais, concedidos à agência de Marcos Valério.
Parte desse dinheiro teria sido usada para compra de votos de parlamentares no Congresso.
O banco foi inocentado pelo BC, mas seus ex-executivos foram arrolados na Justiça comum. Mas, quatro dirigentes do Banco foram condenados por gestão fraudulenta de instituição financeira.
Desde lá, o banco investiu na profissionalização da gestão e na melhoria de sua governança.
O assunto não entrou no prospecto e nem na bela imagem acima, com o histórico do banco.
Fique de fora do IPO de BMG
Em um mundo em que as fintechs estão fazendo os bancões correrem para defender seu mercado, deveríamos pagar caro em um banco sem vantagens competitivas?
Sem capacidade financeira de fazer investimentos em tecnologia?
Um banco que ainda depende dos pastinhas, que vão de porta em porta, para vender produtos financeiros?
Pagamos muito caro no IPO de Vivara (SA:VIVA3). Mas Vivara é um ótimo negócio – margens elevadas, negócio resiliente, vantagens competitivas.
Pagar caro em BMG não faz sentido algum. BMG é daquelas ações que, nem MUITO barato vale a pena.
Estamos, definitivamente, em um bull market.
Cuide muito bem de seu rico dinheirinho.
No Investidor de Valor, cuidamos muito bem de seu patrimônio.
Analisando friamente os riscos, ficamos de fora do IPO de BMG (SA:BMGB11).
Essa é a minha recomendação, após uma análise detalhada do situação da oferta.
Cronograma da oferta
O período de reserva para o IPO começa no dia 11 de outubro e o prazo máximo para fazer sua reserva (vá em "Ofertas Públicas" em sua corretora) e participar da oferta é 23 de outubro.
As ações começarão a negociar em Bolsa somente no dia 28 de outubro.
Acompanhe muito mais no Twitter: @BruceBarbosa88, no FB: BruceBarbosaOficial e LinkedIn: BruceBarbosaOficial