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Como explicar a quebra de um banco (Segunda Parte)

Publicado 11.11.2022, 15:00
Atualizado 09.07.2023, 07:32

{art-200452527||No meu artigo do mês passado}} e no deste mês apresento um modelo simples, o modelo de fluxos financeiros, que explicam o que leva a quebra bancária e uma crise financeira. A explicação completa do modelo pode ser encontrada em https://www.emerald.com/insight/content/doi/10.1108/JES-09-2015-0159/full/html .

Em continuidade ao artigo do mês passado....

Os bancos conhecem o comportamento das famílias no primeiro período, porém não sabem como será o fluxo financeiro das famílias no segundo período. Assim, para os bancos, as reservas (Mt) representam uma forma de seguro, uma vez que, embora haja certeza sobre o resultado da intermediação no primeiro período (FFt), as saídas de caixa do segundo período (OFt+1e) são incertas. Desta maneira, os bancos dimensionam as reservas de tal forma que o resultado do fluxo financeiro no primeiro período corresponda à expectativa de saída de caixa do período seguinte. Em suma,

  1. FFt=IFt-OFt+Mt ,

onde Mt>0, e FFt=OFt+1e.

Além dos fluxos gerados pelas famílias (inflows – IF e outflows – OF), os bancos possuem fluxos próprios gerados a partir de seus estoques de ativos (A) que geram entradas de caixa (AIFt) e passivos (L) que geram saídas de caixa (LOFt). A geração de caixa dos ativos e a saída de caixa (consumo de caixa) dos passivos dependem das taxas de juros recebidas (ra) e pagas (rp) e do prazo de pagamentos e recebimentos, ou prazo de vencimento médio dos ativos (ta) e dos passivos (tp). A diferença entre os fluxos financeiros dos ativos e passivos é relevante para a análise do comportamento dos bancos, pois influenciam sua capacidade de estabilizar os fluxos financeiros.

O fluxo financeiro (FF) completo pode ser compreendido por meio de dois fatores principais: o fluxo operacional ou fluxo gerado pelo banco individual (FF't), e as reservas necessárias (Mt) para o ajuste entre o fluxo gerado no primeiro período e as expectativas de saída de caixa do período seguinte, isto é,

  1. FFt=IFt-OFt- LOFt+AIFt+ Mt ,

FF't

onde FFt=OFt+1e .

Na versão completa dos fluxos financeiros é admitida a hipótese de falha de previsão do banco individual. A falha de previsão é a situação em que o fluxo financeiro completo (FFt) não corresponde à expectativa de saída de fluxo do próximo período (OFt+1e),

  1. et= FFt-OFt+1e , onde et é a falha de previsão.

A falha de previsão é permitida pela possibilidade de troca de reservas entre os bancos. Ou seja, a versão completa dos fluxos financeiros Mt representa para o banco individual não apenas o estoque de moeda mantido na forma de reservas, mas, todas as transações que podem ser realizadas com os demais bancos para o ajuste individual (mercado interbancário). A divisão entre reservas próprias e reservas do mercado é importante para o modelo, pois explica como cada banco individual pode produzir o equilíbrio dos seus fluxos financeiros a partir da interação com o mercado.

Cada banco individual (i) possui seu próprio fluxo financeiro. Logo, o fluxo financeiro agregado é resultado da soma das posições individuais de fluxo financeiro de todos os bancos em t,

  1. ∑i=1jFFit=∑i=1jFF'it +∑i=1jMit ,

onde j representa o número total de bancos.

O fluxo financeiro agregado (equação 14) está em equilíbrio quando cada banco individual está com seus fluxos financeiros equilibrados. Isso significa que não há falta ou excesso de recursos no fluxo financeiro agregado. Nesta situação, quando ∑i=1jMit= 0, o sistema encontra-se no estado de estabilidade financeira.

A instabilidade/estabilidade financeira somente pode ser compreendida se avaliada em sua dupla dimensão: a do banco individual e a sistêmica. Em outras palavras, se forem compreendidas as implicações do comportamento individual de cada banco e o comportamento agregado das instituições financeiras. Na dimensão sistêmica, há estabilidade financeira quando não há excesso ou falta de recursos no fluxo financeiro agregado (i.e., ∑i=1jMit= 0). Na dimensão do banco, a estabilidade financeira depende de que os bancos não cometam falhas de previsão (equação 13). Entretanto, mesmo que os bancos errem em suas previsões, é ainda possível manter o fluxo financeiro em equilíbrio por meio da troca de reservas entre os bancos, isto é, por meio do funcionamento do mercado interbancário. Porém, em momentos de nervosismo em que os bancos restringem liquidez (occasionally binding liquidity constraint), a troca de reservas é suspensa. Nestas ocasiões, os bancos ficam sem acesso ao mercado para equilibrarem seus fluxos financeiros, o que os leva a limitar ou mesmo interromper o processo de intermediação. Quando esse processo se agrava e o sistema de intermediação sofre uma ruptura, as famílias deixam de suavizar o consumo intertemporal, pois ficam impedidas de aplicar e tomar recursos (liquidity constraint). Nesta situação, as famílias não podem maximizar sua utilidade, o que gera uma perda social para as famílias, ou seja, uma crise financeira.

Em suma, a falha de previsão dos bancos, que resulta em uma crise financeira, tem origem na “miopia” dos bancos em não incorporar a sua gestão de fluxo de recursos à possibilidade da restrição de liquidez do mercado interbancário. Esta “miopia” dos bancos é incentivada pelo comportamento do próprio mercado, que fornece a garantia de estabilidade de fluxos em momentos de normalidade. Essa garantia permite que os bancos mantenham ativos e passivos que propiciem o maior spread possível, sem observar o trade-off em termos de fluxos de caixa entre o spread e o descasamento de prazos. A consequência dessa estrutura é que os bancos podem escolher carteiras subótimas, uma vez que o processo de intermediação financeira não incorpora a restrição de liquidez.



Claudio de Moraes – Professor e Pesquisador do Coppead, especialista em Banking, com artigos publicados em diversos periódicos internacionais. Atua no Banco Central do Brasil na área de estabilidade financeira, com experiência em regulação e supervisão bancária.

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