Em abril, o Brasil surpreendeu ao registrar um déficit em conta corrente de US$ 1,347 bilhão, abaixo dos US$ 2 bilhões esperados pelo mercado e consideravelmente inferior ao déficit registrado no mesmo mês em 2024. Este resultado, divulgado pelo Banco Central, reflete um estreitamento da conta de bens e serviços que contrasta com o comportamento ainda frágil de alguns de seus componentes. Embora a dinâmica de curto prazo seja bem-vinda, uma análise mais ampla revela desafios e oportunidades que vão muito além da mera variação mensal.
Grande parte da melhora se deveu à contração das importações, que cedeu frente a um ambiente de créditos mais caros e dólar valorizado. A desaceleração dos gastos domésticos pesa sobre a demanda por bens de consumo e insumos, reduzindo a fatura importadora. Ao mesmo tempo, o agronegócio mantém superávits robustos: as exportações de soja e milho, impulsionadas por safras recordes e preços internacionais ainda favoráveis, seguem compensando o déficit de petróleo e combustíveis. A ferrovia logística, no entanto, permanece um gargalo, limitando o volume transportado e encarecendo custos internos de escoamento.
Ainda assim, é fundamental lembrar que o aperto externo não é exclusivo do Brasil. A desaceleração global, fruto de juros elevados nos principais bancos centrais e de tensões comerciais - especialmente entre Estados Unidos e China - vem restringindo o crescimento do comércio mundial. Nesse contexto, o alcance de um déficit menor que o esperado sinaliza resiliência, mas também expõe vulnerabilidades. Países com cadeias de valor integradas à China sofrem retração nas exportações de manufaturados, enquanto as oscilações do minério de ferro e do petróleo mantêm a volatilidade alta.
É neste cenário internacional adverso que migram fluxos de capitais. A redução do déficit corrente alivia, temporariamente, a pressão sobre o câmbio e diminui a necessidade de financiamento externo imediato. Contudo, a conta de capitais - composta por investimentos diretos (FDI), investimentos em carteira e empréstimos - segue sob escrutínio. No início de 2025, o déficit em conta de capitais superou o de transações correntes pela primeira vez em cinco anos, refletindo saques líquidos de portfólios estrangeiros e nova aversão a ativos emergentes. Essa combinação aumenta o custo de rolagem da dívida externa de curto prazo e pressiona o prêmio de risco embutido no dólar futuro.
Do ponto de vista fundamentalista, investidores tecnicamente atentos devem observar alguns fatores críticos. Primeiro, a composição do financiamento externo: um crescimento sustentável do FDI - projetado em cerca de US$ 73 bilhões para 2025 - é essencial para equilibrar o balanço de pagamentos sem gerar picos de volatilidade. Investimentos de portfólio podem fluir para fora num piscar de olhos diante de choques políticos ou fiscais. Em segundo lugar, o ritmo de recomposição de estoques nas indústrias locais: se a retomada for aquecida sem suporte adequado de infraestrutura, podemos ver novo aumento nas importações de máquinas e peças, pressionando novamente o déficit.
Em termos fiscais, a melhoria na conta corrente é ofuscada pelo aumento do custo da dívida. A cada subida de 1 ponto percentual na Selic, as despesas com juros do setor público federal crescem em torno de R$ 40 bilhões ao ano. Este custo, em um país que projeta dívida bruta acima de 75% do PIB, eleva a rigidez orçamentária e reduz o espaço para investimentos em infraestrutura que poderiam melhorar a competitividade externa. O World Bank alerta que, sem ajustes adicionais, será preciso aportar superávits primários em torno de 3% do PIB para frear a trajetória de endividamento. Ou seja, muito distante da realidade brasileira atual.
Por sua vez, a fragilidade do arcabouço fiscal, mesmo cumprindo metas primárias modestamente positivas, continua sendo um ponto de atenção. A destinação de receitas extraordinárias para cobrir passivos judiciais - os chamados “precatórios” - e a manutenção de programas sociais com elevado custo fixo ainda limitam a percepção de solvência estrutural por parte de agências de rating. Até que se consolide uma reforma tributária que simplifique alíquotas e amplie a base tributável sem tolher o investimento, o Brasil permanecerá vulnerável a revisões de risco que podem inverter rapidamente a tendência de capital estrangeiro entrando.
Em síntese, o déficit em conta corrente menor que o esperado em abril é um sinal positivo, mas longe de representar uma mudança de paradigma. Trata-se de um alívio momentâneo oferecido por um conjunto de fatores conjunturais - câmbio elevado, juros restritivos e safra agrícola excepcional - em um ambiente global que se mantém adverso. O verdadeiro teste para o Brasil virá se essa redução se consolidar de forma estrutural, por meio de reformas que combinem disciplina fiscal, atração de investimentos de qualidade e modernização da infraestrutura. Até lá, cabe ao investidor técnico aproveitar as janelas de oportunidade em commodities e renda fixa protegida, ao mesmo tempo em que se prepara para eventuais reversões de fluxo, mantendo carteira diversificada e hedge cambial estratégico.