Nos últimos dias, o real passou por uma desvalorização significativa, continuando um processo que se estende há meses. Os ministros da Fazenda, Planejamento e Casa Civil têm discutido um pacote de cortes e contingenciamento de gastos públicos, mas com uma recepção cética por parte do mercado. O ajuste fiscal tem sido um tema constante desde a aprovação da PEC da Transição em 2022 e, posteriormente, do Novo Arcabouço Fiscal, aprovado no ano passado. No entanto, até agora, pouco foi concretizado, e a desvalorização do real é um sintoma evidente desta incerteza. Portanto, é importante analisar com mais atenção a relação entre as contas públicas e a taxa de câmbio.
O Brasil enfrenta uma situação econômica marcada pelos chamados “déficits gêmeos”, que se referem à coexistência de um déficit fiscal e um déficit externo, ambos em torno de 2% do PIB. Esses déficits estão interligados, e a variável que os conecta é a disponibilidade de poupança doméstica. Com uma taxa de poupança muito baixa, cerca de 16% do PIB, o déficit fiscal reduz os recursos disponíveis para financiar investimentos no país. Em uma economia, a poupança das famílias é direcionada a um dos dois usos: financiar novos equipamentos e projetos do setor privado ou cobrir os gastos do governo que excedem sua capacidade de arrecadação.
Como a poupança interna não é suficiente, o país se vê dependente de financiamento externo, o que contabilmente, pela inconveniente lógica das contas nacionais, se traduz em um déficit em transações correntes (externo).
Essa pressão dos déficits impacta diretamente a taxa de câmbio e os juros. Com déficits fiscais crescentes, o mercado começa a exigir juros mais altos como forma de financiar o governo. Esses juros mais altos também ajudam a atrair capitais externos que supram a escassez de poupança interna. O déficit externo, por sua vez, pressiona o câmbio, levando a uma desvalorização da moeda. Essa pressão cambial afeta as expectativas de inflação, o que, por consequência, demanda juros ainda mais elevados.
A solução para esse emaranhado de problemas é um ajuste fiscal efetivo. Não se trata de implementar apenas um pequeno pacote de cortes ou contingenciamentos, mas sim de um modelo de ajuste que seja crível e sustentável, capaz de demonstrar a viabilidade da dívida e equilibrar a relação entre poupança e demanda por investimentos.
Contudo, alcançar esse objetivo no Brasil exigirá, necessariamente, uma ampla reforma administrativa e uma rediscussão dos gastos constitucionais obrigatórios. Sem essas medidas, o país permanecerá vulnerável à pressão dos mercados, com repercussões severas sobre as taxas de juros e câmbio.
Em síntese, a situação atual do real e a instabilidade econômica do Brasil estão intimamente ligadas a déficits fiscais e externos. Para reverter essa trajetória, é imperativo que o governo tome medidas concretas e eficazes em direção ao ajuste fiscal, garantindo um ambiente econômico mais estável e confiável. A continuidade da inação pode resultar em consequências negativas de longo prazo, prejudicando a confiança dos investidores e a recuperação econômica.